02 dezembro 2008

Ainda sobre o ensino superior em música

Está no ar no Site Concerto o texto "Ainda sobre o ensino superior em música", a propósito da repercussão do artigo "Ensino Superior?", publicado na edição de novembro da Revista Concerto. Acesse: www.concerto.com.br

18 novembro 2008

Consciência negra e a música no Brasil

Está no ar no Site Concerto o texto "Consciência negra e a música no Brasil", uma pequena reflexão sobre o papel da cultura afro-brasileira na música clássica do país. Acesse: www.concerto.com.br

05 novembro 2008

Música de bolso

Está no ar no Site Concerto o texto "Música de bolso", sobre a portabilidade musical muito antes da Sony ter inventado o walkman (na foto ao lado os curiosos "violino-bengala" e o "clarinete-bengala" criados no século XIX).

Aproveite e leia na edição de novembro de 2008 da Revista Concerto o texto "Ensino superior?", sobre os percalços do ensino de música nas universidades brasileiras.

22 outubro 2008

Concerto de rua: quando Bach e Ravel reverberam em meio à cacofonia urbana

Está no ar no Site Concerto o texto "Concerto de rua: quando Bach e Ravel reverberam em meio à cacofonia urbana", um pequeno olhar crônico sobre esta milenar forma de prática musical em tempos de iPod e de música sem músicos. Acesse: www.concerto.com.br

06 outubro 2008

Música e política, ou as relações perigosas

Está no ar no Site Concerto o texto "Música e política, ou as relações perigosas", uma despretensiosa rapsódia para nos prepararmos para o segundo turno do pleito municipal. Acesse: www.concerto.com.br

22 setembro 2008

Quando os irreverentes se vão (in memoriam Mauricio Kagel & Flavio Florence)

Está no ar no site na Concerto On Line uma pequena homenagem ao compositor argentino Mauricio Kagel e ao maestro brasileiro Flávio Florence, que partiram recentemente e que deixaram para nós o exemplo de como a irreverência é fundamental para fazermos as coisas a sério. Acesse: www.concerto.com.br

10 setembro 2008

Os maiores compositores da história da música

Abaixo minha resposta, por assim dizer, alternativa para uma "interessante" enquete, por assim dizer...:

Gioachino Rossini: no quesito largura, dizem que chegou a pesar mais de 100kg, o que foi muito para sua pouca altura (na foto ao lado, o compositor delineia um saciado sorriso após seu desejum de 2.800 kCal.)

Serguei Rachmaninov: com quase dois metros de altura, foi sem dúvida um dos maiores. Para ele, apenas o céu era o limite (na direita, o compositor dá autógrafos após um concerto).

Richard Wagner: seu peso e altura foram os normais para o padrão da época, mas dizem as más línguas que seu ego ocupava os espaço de dois Berliozes, três Chopinhos e dois Paste (seu ego era tão grande que não coube na foto que queria colocar aqui).

08 setembro 2008

Música nova e a nova música

Está aberta a temporada de música do presente, e além de minha coluna quinzenal na Concerto On Line (clique aqui), o portal Onne me pegou para falar um pouco sobre música contemporânea para o grande público (agora clique neste). Happy new ears!

25 agosto 2008

Que educação musical?

Está no ar no site da Revista Concerto o texto "Que educação musical?" sobre a lei que regula o ensino musical no Brasil e o veto presidencial num ponto de "pouca importância". Acesse: www.concerto.com.br

14 agosto 2008

Depois do amor / After love

DEPOIS DO AMOR*
por JacK Gilbert

Ele está assistindo música de olhos fechados.
Ouvindo o piano como um homem se movimentando
através da mata, pensando por sentimento.
A orquestra em cima das ávores, o coração embaixo,
passo a passo. De vez em quando a música se precipita,
mas sempre volta a silenciar, tal como o homem
nostálgico e esperançoso. Tem uma coisa na gente,
quase sempre imperceptível. De algum modo existe um prazer
na perda. Na ansiedade. A dor
vai deste jeito. Nunca mais.
Nunca mais mesmo. De novo o nunca.
Vagarosamente. Nenhuma planta. Quase partindo.
Uma beleza murmurosa no silêncio.
O ter sido. Ter tido. E o homem
sabendo que tudo dele chegará ao fim.

AFTER LOVE*
by JacK Gilbert.

He is watching the music with his eyes closed.
Hearing the piano like a man moving
through the woods thinking by feeling.
The orchestra up in the trees, the heart below,
step by step. The music hurrying somethimes,
but always returning to quiet, like the man
remembering and hoping. It is a thing in us,
mostly unnoticed. There is somehow a pleasure
in the loss. In the yearning. The pain
going this way and that. Never again.
Never bodied againg. Again the never.
Slowly. No undergrowth. Almost leaving.
A humming beauty in the silence.
The having been. Having had. And the man
knowing all of him will come to the end.

* Publicado revista "The New Yorker", July 7 & 14, 2008. Sugestões de melhorias e correções da tradução serão bem-vindas.

11 agosto 2008

China e sua olimpíada musical


Está no ar no site da Revista Concerto o texto "China e sua olimpíada musical", sobre o fenômeno da música clássica na terra de Mao Tsé. Acesse: www.concerto.com.br

22 julho 2008

Gente nova, música nova

Está no ar no site da Revista Concerto o texto "Gente nova, música nova", sobre o sucesso de jovens compositores brasileiros que, para ouví-los, você vai ter que pegar um vôo internacional. Acesse: www.concerto.com.br

Ilustração: detalhe da partitura "In Harmonica", de Sergio Kafejian.

03 julho 2008

São Pedro entre ianques e soviéticos

Óperas de Gershwin e Shostakóvitch ganham o palco do charmoso teatro paulistano

Semana passada foi apresentada no Theatro São Pedro (TSP) uma interessante montagem da famosa folk-opera de George Gershwin, “Porgy and Bess”, e a partir de amanhã seu palco cederá lugar para seu “antípoda” soviético, a ópera "Moscou, Tcheryomushki" de Dmitri Shostákovitch.

Mas na verdade os antagonismos são apenas superficiais, pois ambos compositores tinham a preocupação social – para não falarmos de engajamento ideológico – presentes em suas poéticas musicais. Cada qual ao seu modo, o que une estas duas óperas de estéticas e países tão distintos é a crítica às estruturas da sociedade por meio de um pequeno retrato de seu cotidiano.

A montagem de “Porgy and Bess” mostrou como com dedicação e competência é possível fazer espetáculos operísticos interessantes a baixos custos. Sob a direção musical do jovem compositor e arranjador Felipe Sena, a partitura orquestral foi transcrita para uma formação de câmara, que se mostrou muito eficiente para as dimensões do TSP. Confortável com swing popular e habilidoso com o rigor da partitura escrita, a regência de Sena potencializou a pluralidade estilística inerente à partitura.

O elenco vocal desta produção alternou entre a fragilidade técnica de parte dos papéis coadjuvantes e a excelência dos protagonistas. José Gallisa e Edna D’Oliveira foram incontestáveis enquanto casal protagonista, no qual se destaca o trabalho corporal do Gallisa de forma a conferir verossimilhança ao aleijado Porgy. Porém, é de se notar o fundamental trabalho realizado por Ednéia de Oliveira (Serena) e de David Marcondes na pele do sexualmente agressivo Crown.

Sob a direção cênica de João Malatian, este “Pockt-Porgy and Bess” foi muito bem sucedido em sua parte cênica, que contou ainda o inventivo cenário de Renato Theobaldo e Roberto Cardoso, que com seus caixotes de frutas, tão típico em nossos mercadões, concedeu ares paulistanos à América sulista.

* * *

Enquanto isto, a um oceano de distância e nos gélidos ares russos, Shostákovitch dava vazão à sua crítica à hipocrisia e ao cinismo das autoridades soviéticas na ópera "Moscou, Tcheryomushki", ambientada numa cidade “ideal”, muito comuns durante o regime, mas cuja solidez de sua sociedade se assemelhava às de um cenário de ópera. O Núcleo Universitário de Ópera, que sob a direção de Paulo Maron ficou conhecido em nossa cidade pelas operetas de Gilbert e Sullivan, irá mudar de ares de forma radical, fazendo toda a parte vocal no original em russo. O simpático cartum ao lado - com Shostákovitch passeando com seu Lada em Tcheryomushki - integra a divulgação desta montagem que vale conferir.

Foto de "Porgy & Bess": Rachel Guedes

22 junho 2008

O reinado de Eiko Senda

Em montagem de "Madama Butterfly", a soprano Eiko Senda é a imperatriz absoluta do Theatro Municipal de São Paulo.

Na carreira de um grande intérprete não é algo incomum que sua figura e arte fiquem associadas a uma obra específica. Entre os instrumentistas e regentes é mais comum que esta associação seja feita com um compositor em específico: Mahler é com Abbado, Rachmaninov é com Horowitz, e assim por diante.

No canto operístico, por sua sua vez, esta associação ocorre não apenas com um dado compositor, mas freqüentemente com uma personagem em específico. Muitos são os fatores que conduzem a esta associação. Registro correto, talento musical, competência dramática e carisma são, sem dúvidas, elementos fundamentais. Mas na verdade não há uma fórmula que explique exatamente o porquê de algumas vozes parecerem criadas para aquela personagem. Há um "Q" a mais que - Deo gratias - reside no intangível analítico.

A estréia que o Theatro Municipal de São Paulo realizou de sua nova montagem de "Madama Butterfly", de Giacomo Puccini (1858-1924), foi apenas mais um dos capítulos que consagram a relação da soprano Eiko Senda com a gueixa trágica Cio-Cio-San. Ainda que o fato da cantora ser japonesa possa ser um fator de relevância, a verdade é que a mágica simbiose entre Eiko e a personagem se explica justamente por este "Q" a mais, algo além do estereótipo étnico-visual ao qual soma-se tudo aquilo que uma grande cantora deve ter (registro correto, talento musical, competência dramática, carisma, etc.).

Numa grande noite, na qual a "imperatriz" Eiko emocionou seu súditos, foi também notável o desempenho de alguns de seus companheiros de palco, em especial a mezzo Silvia Tessuto (Suzuki) e o baixo-barítono Lício Bruno (Sharpless). Ainda que com aparições pontuais, vale também ressaltar o trabalho de Sergio Weintraub (Goro), Pepes do Valle (Bonzo) e Jang Ho Joo (Yamadori), que juntos consolidaram um elenco vocal e cenicamente competentes.

No final das contas, coube ao tenor inglês Paul Charles Clarke conferir ao personagem Pinkerton uma dupla função de "vilão". Não que o cantor seja destituído de um sarcasmo cênico tão apropriado para o personagem, mas o fato é que seu volume vocal mostrou-se aquém do exigido, sendo freqüentemente eclipsado quando em ação com outros cantores.

Nesta nova montagem o diretor cênico Jorge Takla se propôs realizar uma "Madama Butterfly" abstrata (leia entrevista abaixo), que teve na cenografia de Tomie Othake seu ponto de apoio que, no entanto, pendeu mais para o meramente funcional do que para o visualmente inspirado. Posto isto, a direção de movimentos de Susana Yamauchi revelou-se fundamental para a fluidez cênica do espetáculo, aliada à laboriosa iluminação do próprio Takla, um engenhoso itinerário de cores que tingiu o palco do Municipal ao longo da heterogênea paleta de sentimentos puccinianas.

Assim, as pontuais projeções de bambuzais e da bandeira dos EUA mostram-se não apenas dispensáveis, mas de certa forma, contraditórias com a proposta geral. Mas mais dispensável foi a representação em forma de "árvore humana" da cerejeira do quintal de Cio-Cio-San e o kitsch bailado do segundo ato.

Sob a regência de Jamil Maluf, o Coral Lírico e a Orquestra Experimental de Repertório cumpriram com eficiência suas funções, e há de se salientar que não são poucas as armadilhas que a escrita de Puccini reserva aos heróicos soldados do fosso da orquestra.

* * *

Mas voltemos a Eiko Senda. Se de um lado ser eternizada com uma personagem em específico (ainda mais se tratando de Cio-Cio-San) é um honra a poucos concedida, como toda dádiva ela pode facilmente ser convertida em maldição. Então, em tempo, é bom lembrar que Eiko não é Cio-Cio-San. Seu talento vai além de qualquer kimono que ela possa por ventura portar, e mesmo o público brasileiro já teve (e, espera-se, terá) diversas oportunidades de conferi-la em diferentes papéis, desempenhados com iguais esmero e musicalidade.

Foto: Eiko Senda (divulgação TMSP).

O caso Ariadne e o Eldorado amazônico

Para esta temporada de ópera do Theatro Municipal de São Paulo estava previsto para o mês de agosto a apresentação de "Ariadne auf Naxos", de Richard Strauss, a partir de uma co-produção com o Festival Amazonas de Ópera (FAO), que o encenou na edição deste ano sob a direção de Caetano Vilella (leia aqui a resenha).

Pois bem, a tal parceria não ocorrerá por motivos diversos. Alguns deles o diretor Vilella expõe em dois posts de seu blog ("Uma outra 'Ariadne' para São Paulo" e "Ainda sobre 'Ariadne'. Réplica e tréplica"). Em princípio, datas e elencos estão confirmados, mas de fato a interessante montagem de Manaus não virá para Sampa (caberá também competente André Heller a elaboração de um novo espetáculo).

Por outro lado, a não concretização da parceria vem acompanhada de mais um "troféu" recebido pelo FAO. Desta vez trata-se de uma elogiativa matéria da revista francesa Opéra Magazine, tal como informa Jorge Coli hoje na Folha de S. Paulo (na internet, o texto infelizmente está em área restrita).

Como já tratei recentemente, e ao longo dos anos que cubro o FAO, o evento trata-se algo único e necessário para qualquer brasileiro verdadeiramente interessado em música (seja ela de qual tipo for). Claro, a distância será sempre um empecilho para que o grosso da audiência clássica, concentrada no Sudeste, veja com seus próprios olhos e ouça com seus próprios ouvidos aquilo que é um verdadeiro Eldorado da música operística brasileira.

Porém, a real concretização de parcerias é fundamental para que o Eldorado transcenda a condição de lenda e consolide de uma vez sua vocação para marco histórico.

Por ora, resta a quem ainda não pode inspirar os cálidos os ares líricos amazônicos uma pequena amostragem que o regente Marcelo de Jesus (braço direito de Luiz Fernando Malheiro no FAO e na Amazonas Filarmônica) está disponibilizando em seu blog.

16 junho 2008

Entrevista: Jorge Takla

Diretor teatral dos mais requisitados quando o assunto é música, Jorge Takla faz-se mais do que nunca presente nos palcos paulistanos. Além de ter estado recentemente em cartaz com sua versão do musical “West Side Story”, de Leonard Bernstein, Takla estréia no próximo sábado sua nova montagem de “Madama Butterfly”, de Giacomo Puccini (1858-1924), no Theatro Municipal de São Paulo. Em 1994 Takla já havia dirigido esta ópera neste mesmo palco, sob a regência de John Neschling. Para esta ocasião – anunciada como comemorativa ao centenário da imigração japonesa no Brasil – o diretor renovará sua visão da famosa história de amor entre a gueixa e o oficial norte-americano, tal como dá a entender na entrevista concedida ao OutraMúsica, em meios aos últimos ensaios antes da estréia.

Antes de começar a dirigir óperas, que tipo de contato tinha com este gênero?

A ópera sempre esteve presente em minha vida. A primeira ópera que vi eu era ainda criança. Foi “L'incoronazione di Poppea”, de Claudio Monteverdi, numa montagem do festival Baalbeck, no Líbano. Mas a verdade é que fui um privilegiado, pois passei minha adolescência na Europa e nos EUA, o que me possibilitou assistir às grandes montagens da década de 1960-70, justamente o momento em ocorria uma grande reviravolta em termos de direção de ópera por meio do trabalho de diretores como Luchino Visconti e Franco Zeffirelli, entre outros.

E como começou a dirigir óperas?

Apesar de sempre estar ligado à música clássica, tendo inclusive estudado canto lírico, comecei a dirigir ópera meio por acaso. Depois de assistir uma montagem que dirigi do musical “Cabaret”, o maestro Jamil Maluf me convidou para dirigir “As Bodas de Fígaro”, de Mozart, em 1989. Desde então já dirigi um total de doze óperas, oito delas com o Jamil. E quero ainda fazer muitas outras.

Quais as principais diferenças entre dirigir uma peça teatro e dirigir uma ópera?

Dirigir ópera é muito mais gostoso, pois é uma forma muito mais completa. Acho que no teatro sempre acaba faltando algumas coisas que a ópera, por conta da música, sempre acaba finalizando. Se pudesse, só dirigia óperas.

Como foi o processo de concepção da montagem desta “Madama Butterfly”?

Trata-se de um grande desafio, pois é uma ópera que todo mundo conhece. Além disto, é uma ópera que traz consigo uma grande carga de estereótipo, por conta das referências à cultura japonesa. Ela é japonesa, mas ao mesmo tempo, é extremamente italiana. Há, portanto, um contraste, pois o japonês é muito discreto, mais velado, e na ópera a tudo é muito aberto, as emoções são cantadas em alto e bom som. É um choque de culturas, e a obra fala justamente disto, pois a música de Puccini expressa de uma forma ocidental sentimentos orientais.

Por isto um ponto importante desta montagem é evitar os estereótipos (tais como a cerejeira, a casa japonesa, etc.), investindo na sugestão de volumes, de cores, e de certa forma fugindo do realismo, resgatando sua essência pela simplicidade, e não pelo excesso.

Chega a ser uma montagem “simbolista”?

Não. Acho que esta montagem está mais para abstrata do que para simbólica, mas apesar disto, todos os códigos dramáticos e seus personagens estão preservados. Sei que seria mais fácil e confortável cair no estereótipo. Mas para mim a “Madama Butterfly” é uma ópera contemplativa. Não pode existir poluição visual e de movimentos. Investi o mínimo em efeitos chamativos, para buscando sua essência e ficando ao máximo na sombra.

Com tudo mais simples, tudo então fica mais exposto. Os cantores, a orquestra e a própria música ficarão mais expostos, e assim a própria obra fica mais valorizada.

Como é trabalhar a dramaturgia com cantores de ópera?

A diferença do trabalho entre um cantor e um ator é que o cantor lírico tem que ter um entendimento muito musical da obra, pois todas as dicas de interpretação dramática estão na própria música. Muito vezes, com atores, eu fico trabalhando meses sua entonação, a “música” contida num texto sem partitura. O cantor, por sua vez, tem sua tem sua partitura, sua música. Mas isto que é uma vantagem é, de certa forma, também uma desvantagem, pois ele não se pode deixar levar pela emoção, pois pode se prejudicar tecnicamente. Ele não pode se entregar passionalmente a um personagem.

No fundo, não adianta fazer o mesmo trabalho que um ator de teatro, pois a diferença é que no teatro um personagem vai amadurecendo ao longo meses. Na ópera, ele tem que estar pronto já na primeira récita, pois depois de uma semana tudo estará acabado.

Neste sentido, é uma experiência rara a que estou tendo com o musical “West Side Story”, onde observei o processo de amadurecimento cênico muito grande nos cantores.

E se pudesse escolher seu próximo projeto em ópera, qual obra gostaria de dirigir?

“Tosca”, de Puccini, porque é teatro puro.


Serviço:

“Madama Butterfly”, de Giacomo Puccini
Direção cênica: Jorge Takla
Direção musical: Jamil Maluf
Cenários: Tomie Ohtake
Figurinos: Fabio Namatame
Elenco: Eiko Senda/Laura de Souza (Cio-Cio-San), Paul Charles Clarke/Marcello Vannucci (Pinkerton), Silvia Tessuto (Suzuki) e Lício Bruno (Sharpless).
Orquestra Experimental de Repertório e Coral Lírico
Theatro Municipal de São Paulo, dias 21, 23, 25 e 27 de junho, às 20h30; dia 29, às 17h. Ingressos entre R$ 20 e R$ 40.

Jornal Nacional, Nova York e a música clássica brasileira

Afinal, apenas perpetua-se a necessidade dos outros dizerem para nós quem entre a gente é bom mesmo.

O barítono Paulo Szot acabou de ganhar o Prêmio Tony - o "Oscar" do teatro americano - na categoria "Melhor performance de ator principal em um musical" pelo seu trabalho no musical "South Pacific". Antes de mais nada, os mais do que sinceros parabéns a Szot, cantor de primeira grandeza que só pode mesmo encher de orgulho os brasucas clássicos que por aqui há tempos acompanham sua carreira.

Mas o ponto deste texto é outro (como deu pra notar pela fotinho ilustrativa).

Por que diacho a música clássica brasileira só é "notícia" quando ela ocorre no exterior, ou melhor ainda, se for em Nova York?

Szot já teria merecido uma matéria em qualquer telejornal por feitos obtidos muito tempo antes. Mas não. Como sempre, é necessário o reconhecimento externo para que os chefes de redação se convençam não do valor do artista, mas apenas de seu "potencial jornalístico" (afinal, alguém aí já viu no Jornal Nacional alguma matéria sobre o "Oscar" da música clássica brasileira?).

Algo muito parecido aconteceu com o maestro Roberto Minczuk, quando regeu a Filarmônica de Nova York em um grande concerto no Central Park. Lá estava a Rede Globo para cobrir o mais novo talento da música brasileira revelado ao mundo. Mas suas câmeras já deveriam estar ligadas quando ele ocupou ainda adolescente um assento na Gewandhaus de Leipzig, uma das orquestras mais importantes orquestras do mundo.

E o que dizer da quantidade de músicos brasileiros passaram ilesos pelos grandes editorais tupiniquins mesmo quando ocuparam lugar em palcos importantes, tal como o Carnegie Hall de Nova York (o "Oscar" dos teatros de todo mundo...).

É mesma lenga-lenga. Em breve talvez o próprio Jornal Nacional faça uma matéria sobre como a músicos clássicos brasileiros são desvalorizados em sua terra natal, obtendo reconhecimento apenas no exterior. Eles bem que poderiam utilizar uma de suas "não-reportagens" para ilustrar este fato.

09 junho 2008

Antes ir para o céu, Sekeff deu sua última aula

Hoje faz uma semana que toda uma geração de músicos passaram a se sentir órfãos. Na madrugada da última segunda-feira falecia Maria de Lourdes Sekeff Zampronha (1934-2008), ou simplesmente Sekeff, como era carinhosamente chamada por seus alunos e colegas.

Mais do que professora, Sekeff foi uma mulher de atitude, tendo idealizado e realizado diversos eventos e empreitadas acadêmico-musicais ao longo de sua vida. Mais que professora, foi uma mãezona, sempre a chamar seus pupilos com seu inesquecível "meus filhos".

Mas dentre tantas coisas a se falar de uma pessoa como a Sekeff, como aluno fui testemunha do carinho e de seu real comprometimento com a formação de seus aprendizes, além da honestidade e boa-vontade com que realizou sua carreira acadêmica.

Conquistou muito respeito e admiração daqueles que com ela conviveram, o que ficou demonstrado em seu velório, na capela do Instituto de Artes de Unesp. Foi uma bela homenagem, a altura de uma musicista como a Sekeff, ao som do órgão de tubos da escola acompanhado por uma pequena multidão de colegas e alunos. Foi, na prática, a última atividade do IA-Unesp no Ipiranga, pois em breve ele passará a operar em um novo prédio.

Mais simbólico impossível, e de fato fiquei com a impressão de que um ciclo se fechava. Novas portas então se abrem, novos caminhos devem ser trilhado e novos desafios vencidos. Porém, sem jamais perder de vista os ensinamentos de mestres como a Sekeff.

Assim, antes de ir para o céu, a professora Sekeff deu sua última aula: de que a vida do músico nunca acaba ao término do último acorde, pois tão importante quanto uma apresentação, é o quanto sua música fica reverberando nas almas daqueles que foram por ela tocadas.

31 maio 2008

Rosana Lamosa, na íntegra

Começando a dar os primeiros passos para novos caminhos, leia a entrevista que realizei com a soprano Rosana Lamosa, pela primeira vez publicada na íntegra no site da Revista Concerto. Clique aqui e não deixe de ler até o finalzinho e se divertir com a nova seção "contraponto".

foto: Clive Barda

26 maio 2008

A música nos dez anos do VivaMúsica!

Anuário chega em sua décima edição realizando retrospectiva da cena clássica brasileira na última década.

Começou a circular neste mês de maio a décima edição do Anuário VivaMúsica!. Para quem ainda não o conhece, trata-se de uma publicação única no Brasil, que compila importantes informações para quem trabalha com música clássica. Como bem define seu slogan, a publicação é "o guia de negócios da música clássica do Brasil", característica que acabou por definir a circulação dirigida do anuário (no entanto, o grande público pode adquiri-lo neste link).

Publicado pela VivaMúsica! Edições (a mesma que edita o roteiro de concertos da Cidade Maravilhosa), o sucesso e a credibilidade do anuário são produtos do empenho de Heloisa Fischer , Luiz Alfredo Moraes e equipe, que há anos têm a questão da sustentabilidade da música clássica brasileira como meta profissional. A partir deste ano eles passam a contar com uma ajuda extra, com a criação do Instituto VivaMúsica!.

Mas paralelamente às informações do guia, a edição aproveita seus dez anos para fazer uma retrospectiva desta última década, tão especial para a história da música clássica brasileira. Para isto, dez músicos e dez críticos/jornalistas foram convidados a darem seu depoimento.

Aos artistas, é claro, foi concedido o merecido espaço para contarem o que ocorreu em suas carreiras neste período e como eles vêm as mudanças pelas quais a cena clássica brasileira passou desde então. Constam o depoimento de Alex Klein, Antonio Meneses, Edino Krieger, Fernando Portari, Isaac Karabtchevsky, John Neschling, Leandro Carvalho, Luiz Fernando Malheiro, Nelson Freire e Roberto Minczuk (as entrevistas que deram origem aos textos impressos podem ser lidas na íntegra a partir deste link).

Já aos críticos/jornalistas foi perguntando qual foi o fato mais relevante da década e quais as três inciativas mais relevantes (o guia, por sua vez, elegeu um total de dez iniciativas).

Como fato, não deu outra: foi Osesp na cabeça! Tamanha unanimidade fez com que o anuário realizasse uma entrevista com Henry Fogel (atual presidente da Liga das Orquestras Americanas) para comentar o "fenômeno Osesp". Mas outro fato foi lembrado pela grande maioria dos homens de imprensa: o Festival Amazonas de Ópera.

Abaixo, publico na íntegra o depoimento que prestei ao anuário sobre o fato e as três iniciativas da década. Leia, pense, reflita e dê também a sua opinião, postando um comentário sobre este artigo. E viva a música!

Fato mais relevante da década no cenário clássico brasileiro.

Nos últimos anos o Brasil tem vivenciado uma série de transformações em seu cotidiano musical, que se tornou mais intenso, atrativo e com um grau de qualidade técnica provavelmente sem precedentes em nossa história. Estas transformações ocorreram em grande parte pelas mudanças que as orquestras sinfônicas do país têm passado nos últimos tempos (em especial, a OSESP, OSB e OPPM). Epicentros da vida musical de uma cidade, a melhoria de nossas orquestras mostra-se fator decisivo para a melhoria da música brasileira como um todo, à qual soma-se a crescente profissionalização dos serviços de produção musical, à parte o descaso que a música ainda sofre em diversas esferas do poder público.

Três iniciativas relevantes.

1. Osesp e a Sala São Paulo: em nossa história, poucas vezes observou-se o poder público tão empenhado em realizar um projeto musical desta envergadura.

2. Festival Amazonas de Ópera: se ópera na floresta era entendido como um delírio fitzcarraldiano, o FAO mostrou ao mundo que cultura não pode ser encarada enquanto segmentação de classes sociais. Junto com sua floresta, o evento faz da Amazônia um lugar ainda interessante (e obrigatório) de se conhecer.

3. Festival Música Nova: apesar de ativo há décadas, é importante ressaltar a persistência e o estoicismo de seus organizadores. Fazer nova música é essencial para a manutenção de nossa cultura, e o Brasil ainda está por calcular a dívida que tem para com este evento, que ainda carece do apoio institucional devido.

11 maio 2008

A música entre trevas e símbolos

Tão densa quanto curta, a ópera "O Castelo do Barba Azul", de Bartók, ganha fluída montagem no Municipal paulistano

Se uma das características mais marcantes da música ocidental do século XX é a pluralização de sua linguagem, não deixa de ser coerente pensarmos que este mesmo processo também ocorreu no universo da ópera. Sim, esta pluralização/fragmentação de fato sucedeu nos mais diferentes níveis lingüísticos da ópera, apesar de não ser tarefa das mais simples poder constatá-la na prática (afinal, se a própria música moderna ocupa um exíguo espaço no repertório contemporâneo, o que dizer da ópera moderna?).

Por isto trata-se de uma momento tão especial poder testemunhar a montagem de uma ópera como "O Castelo do Barba Azul", de Béla Bartók (1881-1945). Não bastasse o valor da obra em si, a montagem que foi levada ao palco do Theatro Municipal de São Paulo (montada pela primeira vez em 2006 no Palácio das Artes, em Belo Horizonte) detém o mérito de tornar esta que é uma ópera musical e dramaticamente densa num espetáculo belo e fluído.

Sob a direção cênica de Felipe Hirsch (leia entrevista abaixo), a história do "Barba Azul" teve seus aspectos simbólicos ressaltados por meio do habilidoso contraponto traçado entre os cenários de Daniela Thomas, a iluminação de Beto Bruel e a projeção de imagens de Henrique Martins. Simples e econômicos, o conjunto resultou num discurso visual atraente, baseado no contraste entre reflexos, trevas e feixes de luz.

Apesar de bela e fundamental, a parte cênico-visual do espetáculo foi a responsável pelo único, mas muito problemático, "porém" desta montagem: devido ao fato do cenário estar disposto longe do proscênio*, a performance do baixo-barítono Stephen Bronk (Duque Barba-Azul) e da soprano Céline Imbert (Judite) foi necessariamente prejudicada. Por muitas vezes ficou difícil ouvi-los, e isto deve-se ao fato do centro do palco do Municipal não se tratar do lugar apropriado para emissão de vozes solistas (ainda mais com uma orquestra bartokiana no fosso).

Veteranos de longa experiência, a quem não poucos adjetivos são merecidamente endereçados, o problema do posicionamento cênico não foi suficiente para impedir a bela interpretação que Céline e Stephen.

Foi também notável a desenvoltura com a qual a Orquestra Sinfônica Municipal enveredou pela complexa partitura de Bartók. Sob a precisa regência do jovem Rodrigo de Carvalho, o grupo soube trabalhar as diversas matizes da escrita bartokiana, mostrando-se uma orquestra muito diferente daquela que reestreou o "Falstaff" no início do mês passado.

Com a casa cheia e uma ótima recepção do público ao final da récita, espera-se que o maior feito do "Barba Azul" brasileiro seja mostrar que há demanda e espaço para um outro tipo repertório operístico. Afinal, sem renovação, como então exigir a manutenção e o respeito à tradição?

* proscênio: parte dianteira do palco
Foto: Carol Sachs

04 maio 2008

Entrevista: Felipe Hirsch

Figura das mais respeitadas do moderno teatro brasileiro, em 2006 o diretor Felipe Hirsch realizou sua estréia no mundo da ópera com o fundamental “O castelo do Barba Azul”, do compositor húngaro Béla Bartók (1881-1945). Neste mês de maio o público paulistano terá a oportunidade de conferir o trabalho operístico de Hirsch na segunda montagem da temporada lírica do Theatro Municipal. Foi sobre ópera, teatro e interessantíssimos desejos para o futuro que Hirsch falou com o OutraMúsica.

Antes de sua experiência com “O castelo do Barba Azul”, que tipo de relação tinha com a ópera?

Minha relação com a música em geral sempre foi muito intensa. Apesar de até o “Barba Azul” não ter me dedicado profissionalmente a ópera, sempre me interessei por ela. Anteriormente, já tinha recebido convites para dirigir ópera, mas não aceitei por achar que não teria tempo para fazê-las.

E o que então o levou aceitar a dirigir o “Barba Azul”?

No caso desta ópera de Bartók decidi topar porque gostava muito da história em si, pois ela tem um caráter simbolista que me agrada muito. Além disto, na época em que recebi o convite vi que ela se relacionava bastante com a peça de teatro que estava trabalhando, “A educação sentimental do vampiro”. Dirigir o “Barba Azul” foi uma experiência muito importante, e a considero entre os cinco melhores de Sutil [companhia de teatro dirigida por Hirsch].

Quais as diferenças mais significativas que vivenciou na direção de ópera em relação à sua experiência no teatro?

As diferenças são muitas, mas acho que soube equilibrar as informações e hábitos destes diferentes universos e realizar uma montagem bem “responsável”. Na parte musical fui estudar a obra de Bartók, tendo inclusive estudado com um professor húngaro, além, é claro, de estreitar ainda mais o relacionamento e a conversa musical com os cantores Stephen Bronk e Céline Imbert, bem como com Aylton Escobar, que fez a direção musical na estréia da montagem, em Belo Horizonte.

Mas, por outro lado, fiz questão de também ser “irresponsável” ao lançar sobre a ópera o olhar de alguém de fora deste mundo. Trouxe toda minha companhia para fazer o “Barba Azul”, e toda nossa experiência em teatro foi empregada no exercício da ópera, que nem sempre se orienta pelos mesmos valores do teatro moderno.

Como foi o processo de concepção da montagem do “Barba Azul”?

A gente desenvolveu o seguinte conceito para definir toda a história: o castelo do Barba Azul é o próprio Barba Azul. Na verdade, é ele quem abre as portas. Luzes e portas são símbolos de auto-conhecimento e de amor. Mas há também as portas sombrias, como a da vaidade e a da raiva. Foi a partir disto que vimos no castelo um meio de explorar este homem internamente. Assim, procuramos realçar o simbolismo presente na história, ao usarmos objetos como o espelho, o raio-x e o modo bastante holográfico com o qual usamos a projeção de imagens.

Quais as “vantagens” e as “desvantagens” que vê na direção de ópera?

Vantagem é a música. Pronto! A música é uma arte quase sem mediação, pois ela toca direto no emocional. Esta capacidade de diminuir o tempo entre o contato e a emoção é uma grande vantagem. Sobre as desvantagens, na verdade, estou tentando desmontá-las, mais especificamente alguns velhos hábitos presentes nas montagens tradicionais de ópera.

Como foi trabalhar a dramaturgia com o elenco vocal?

Na verdade, creio que tive muita sorte, pois o Stephan e a Céline são, além de grandes cantores, excelentes atores. Sei que isto é um privilégio que não sei se terei em outras experiências no gênero.

Em sua opinião, o que o teatro contemporâneo poderia assimilar da linguagem operística?

Acho que é a capacidade de pensar musicalmente e uma nova maneira de lidar com o tempo. E acho que não é só da linguagem operística que o teatro tem o que assimilar. Cada vez mais acho que o teatro é capaz de absorver tudo, e que ele é muito maior do que está sendo feito por aí. Precisamos fazer jus a esta capacidade do teatro de tudo absorver.

E se pudesse escolher seu próximo projeto em ópera, qual obra gostaria de dirigir?

Tenho uma atração pela música da II Escola de Viena. Logo, se pudesse, eu certamente escolheria o “Wozzeck”, de Alban Berg.

Serviço:

O Castelo do Barba-Azul, de Béla Bartók
Direção cênica : Felipe Hirsch
Direção musical: Rodrigo de Carvalho
Cenários e figurinos: Daniela Thomas
Elenco: Céline Imbert (meio-soprano), Stephen Bronk (baixo-barítono) e Guilherme Weber (ator, para o prólogo).
Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo.
Theatro Municipal de São Paulo, dia 11 de maio (17h) e 13, 15 e 17 (20h30). Ingressos entre R$ 20 e R$ 40.

23 abril 2008

"(P)OPera-pastiche"

[Resenha da cobertura XII FAO, Manaus, 2008]

Em suntuosa produção do XII Festival Amazonas de Ópera, obra de ex-Pink Floyd é marcada por uma sucessão de equívocos

Foi a crônica de uma morte anunciada (que me permita Gabriel García Márquez esta pequena referência/deferência). Mesmo destituído de preconceitos, e pelo contrário, fazendo votos de que o previsível não ocorresse, por fim, não houve o que salvasse a ópera “Ça ira”. Nem todo empenho da produção. Nem toda beleza cênica e engenhosidade de movimentação. Nem todos os talentos musicais a serviços de Roger Waters foram suficientes para conferir valor a sua incursão na ópera. “Ça ira” tem apenas uma função, e esta foi muito bem cumprida: amplificar a repercussão mediática do festival, ou de qualquer outro evento que dela se utilize. No mais, a montagem manauara de “Ça ira” – dirigida por Caetano Vilela – serviu para reforçar aquilo que é senso comum, mas que é sempre salutar reforçar no ambiente naturalmente traiçoeiro da produção artística brasileira. Isto é, Manaus tem competência de sobra para concretizar projetos ambiciosos e cenicamente complexos.

Mas, afinal, quais são os problemas com a ópera de Waters?

Musicalmente pode até parecer que o problema está na presença de elementos da música popular num ambiente tradicionalmente clássico. Mas não. O problema não está na mistura, mas sim nas idéias musicais de Waters, em geral fracas e ingênuas, inclusive dentro das práticas de música popular. Mesmo recauchutado nos arranjos de Rick Wenworth (quem no final das contas pôs a mão na massa de verdade), era difícil atenuar a vocação para a muzak da música que Waters reservou para sua ópera. Em poucas palavras, faltou, ironicamente, rock’n roll em sua aventura pelas sendas líricas.

Em termos de libreto – elaborado por Étienne e Nadine Roda-Gil – a bobagem se multiplica. Dramaturgicamente “Ça ira” não é propriamente uma ópera, mas uma sucessão de situações cênicas que mais se assemelha à estrutura de um oratório (tal como ex-Beatles Paul McCartney faz em seu “Liverpool Oratorio”). Até aí sem problemas, não fosse o fato desta forma de discurso ter sido utilizada para oferecer uma visão extremamente simplista e piegas da Revolução Francesa. Aí o que era frágil desmorona de uma vez.

Com cantores de ópera desempenhando uma partitura não operística (aquém de suas possibilidades musicais) e em situações também não operísticas (aquém de suas obrigações como “ator”) tornam ainda mais relativa a apreciação de seus desempenhos. Deixa pra lá. Para eles o futuro certamente lhes reserva oportunidades melhores.

Desta forma, fica ainda mais preemente a importância do trabalho cênico do “Ça ira” manauara. Rico e luxuoso, com excelentes soluções cenográficas e belo figurino, foi sua parte visual que, por fim, conferiu ao espetáculo o ponto de atenção para o público. Neste sentido, a vertiginosidade da movimentação de palco elaborada por Vilela não deixa de ser um paralelo do que ocorre nos vídeos clipes modernos, que para fazerem o ouvinte abstrair da nulidade musical, fazem do aspecto visual o elemento de maior relevância. Então o ouvido cede lugar aos olhos, e a música torna-se um fenômeno visual, e então colocada em segundo plano. É o que, aparentemente, sempre ocorrerá com “Ça ira”.

Foto: Arlesson Sicsú

Todos os textos da cobertura XII Festival Amazonas de Ópera foram realizados em Manaus, a convite da direção do evento.

22 abril 2008

A queda do Walhala

[Crônica da cobertura XII FAO, Manaus, 2008]

O castelo-tumba da ópera manauara já não abriga mais os deuses da ópera, agora pouso dos mandarins chineses

Não deixa de ser esquisito, mas sim, no meio da floresta amazônica tem uma cidade, e no centro desta cidade tem um hotel chamado Taj Mahal. Fica ainda mais esquisito se lembrarmos que o célebre monumento indiano é o mausoléu que o imperador Shah Jahan edificou em memória de sua esposa favorita. Se o mausoléu é o lugar do repouso eterno, o Taj Mahal manauara, no entanto, é menos ambicioso, proporcionando aos seus hóspedes apenas o descanso efêmero dos mortais, zelados pelo “duty manager” Matuzalem, que por anos a fio jamais abandonou seu posto, apesar de nunca alguém tê-lo visto (ao menos nenhum outro nome foi lido na plaquinha abaixo). Eis um gerente que, de fato, é uma lenda.

Fundado em 1991 por Kishin J. Harjani (informação insistentemente colocada nas placas do lobby do hotel) o Taj Manaus, ops, o Taj Mahal foi por anos a casa temporária do verdadeiro pelotão que anualmente se põe a serviço do FAO. Junto com o Teatro Amazonas, tornou-se um lugar em si mítico ao longo destes anos de festival: se suas paredes falassem, elas nos diriam muito mais que uma análise dos portamentos e das coloraturas dos cantores que já se hospedaram nele.

Atualmente apenas a imprensa se hospeda nele. Antigo Walhala dos deuses da ópera manaura (o castelo da mitologia nórdico-germânica, presente no enredo do “Anel do Nibelungo”, de Wagner), o Taj Mahal foi preterido pelo conforto e a estrutura dos modernos hotéis de redes, mesmo que estes contem com a inconveniência de uns 20 minutos de carro de distância do Teatro Amazonas.

Mas tão mítico quanto o Taj Mahal é seu vizinho gastronômico, o restaurante e pizzaria Scarola (sic), que em momentos especialmente aborrecidos de sua clientela musical era momentaneamente batizado de chicória (afinal, mudando o nome da escarola, ela não fica mais tão gostosa). E para quem pensa que maestros, diretores e cantores se reúnem secretamente numa sala reservada no teatro para comemorar seus feitos artísticos, em muito se engana. O Scarola foi o palco de muitas celebrações, pois depois das ovações no teatro era da sacadinha do famigerado “bistrô” que os artistas recebiam os aplausos acalorados de seus colegas: Brunhilde, Otello, Wotan, Freia, Poranduba, Lady Macbeth, Siegfried, Desdêmona, Werther, Mime e toda uma infinidade de cantores-personagens foram calorosamente aplaudidos ao entrarem no Scarola, esquivando-se da fumaça da grelha estrategicamente colocada na entrada.

Mas os tempos são outros, e apesar dos deuses manauras estarem longe de seu crepúsculo (e espera-se que este lusco-fusco jamais chegue), sua antiga morada não mais lhe serve de abrigo. Mas quando um ninho é abandonado por um pássaro logo vem outro e ocupa seu lugar. Aos poucos o antigo Walhala manaura ganha ares de Cidade Proibida, com a chegada cada vez mais intensa dos mandarins do extremo oriente, tal como fica claro nesta foto tirada secretamente, com a porta entreaberta, de um cômodo escondido localizado no térreo...


21 abril 2008

Ariadne auf Manaus

[Resenha da cobertura XII FAO, Manaus, 2008]

Prólogo

Uma ópera dentro da ópera. Música que antes da ópera, não é música de ópera, mas música além-ópera. E dentro da ópera, abre-se a janela para uma outra sub-ópera. Cantores que, antes de cantar a ópera dentro da ópera, são um híbrido artístico, um “não-cantor-ator”. Confuso? Talvez, mas é esta complexidade estética que faz da ópera “Ariadne em Naxos”, de Richard Strauss, uma obra singular no repertório lírico mundial. Multireferencial por natureza, a obra encerra vários níveis metalingüísticos, inclusive do próprio compositor, Strauss, que se auto projeta no personagem Compositor. Será que tudo o que ouvimos é Strauss ou também há um “não-Strauss”, cuja música atende à demanda destes níveis metalingüísticos?

Seja lá qual for a resposta, o fato é que a encenação de “Ariadne” demanda um grande esforço criativo para enfatizar estes diferentes níveis narrativos, algo que a montagem do XII FAO de fato conseguiu concretizar, e que o público paulistano terá a oportunidade de conferir na temporada do Theatro Municipal, no mês de agosto.

Sob a direção cênica de Caetano Vilela (que também assina a concepção e a iluminação da montagem) a “Ariadne” de Manaus apostou no antagonismo visual para realçar o embate entre o artístico e o vulgar, entre o divino e mundano, auxiliados pelo fundamental trabalho de figurino de Olintho Malaquias e pelo cenário de Renato Theobaldo e Roberto Rolnik. Mas é importante notar que nem apenas de contrastes pautou-se a montagem de Vilela, tal como fica claro no dueto da segunda parte entre o personagem Tenor com a Primadonna, no qual o uso de cadeiras de rodas e muletas auxiliam o discurso do libreto de Hugo von Hofmannsthal.

Na parte musical, foi notável o desempenho da Amazonas Filarmônica, sob a fluída regência de Luiz Fernando Malheiro. Certamente trata-se de um conjunto com potenciais múltiplos, mas por ora parece evidente que o fosso do teatro é o lugar de onde advém o que eles fazem de melhor.

A Ópera

No que tange ao elenco vocal, a “Ariadne” manauara foi marcada por contrastes. De um lado, vozes inadequadas ao lado de desempenhos deslumbrantes. Neste sentido, deslumbramento é a palavra que melhor define o impacto da participação da soprano Celine Imbert, no papel do Compositor. Detentora de uma voz reconhecidamente bela, Celine também imprimiu ao seu personagem uma bem definida caracterização dramática.

Também muito boa foi a participação do tenor Geilson Santos, que bem dosou comicidade e musicalidade como o Professor de Dança. Da mesma forma foi bem desenvolvido o papel de Primadonna pela soprano Virginia Correa Dupuy, que desempenhou personagens diferentes a cada parte do espetáculo (isto é, a Primadonna antes e durante a “ópera” dentro da “Ariadne”), aliados a um desempenho vocal eficiente. E nada como um dia após o outro: Michael Hendrick enfim mostrou suas possibilidades musicais, além de suas virtudes cênicas, no papel do Tenor.

Dos conjuntos vocais, destaca-se a coesão tímbrica e dinâmica das cantoras Gabriela Pacce, Elaine Martorano e Edna d’Oliveira. Sejam ninfas, damas ou valquírias – não importa – com este grupo a beleza (latu sensu) estará sempre assegurada. Muito eficiente cenicamente, mas ainda por ter uma melhor presença dinâmica, foi a participação do conjunto masculino, integrado por Leonardo Pace, Thiago Soares, Lucas Debevec-Mayer e Flávio Leite, que travestidos de astros do rock, por fim também cativaram a platéia.

Se por um lado o elenco vocal mostrou-se majoritariamente belo, ou no mínimo muito eficiente, pelo outro seu calcanhar de Aquiles concentrou-se, numa perna, pelo Mestre de Música de Francisco Frias, e na outra, pela Zerbinetta de Rosana Schiavi, que por motivos diversos, não se mostraram adequados às exigências de seus personagens, conferindo-os mais uma “caricaturização” do que uma caracterização dramática.

A voz do diretor

Só o tempo dirá se Manaus inaugura uma nova fase da direção cênica operística brasileira, mas o fato é que neste ano o programa dos espetáculos traz como novidade um texto do diretor cênico com as intenções e idéias de seu trabalho, ao lado das notas do programa e da sinopse da história.

Numa época na qual a realização cênica é cada vez mais valorizada, a proposta não deixa de ser interessante, já que não raro as montagens podem chegar a um nível de abstração ou de referências não relacionadas à trama que, por vezes, fazem destes espetáculos verdadeiros enigmas ao grande público, que espera da crítica a “explicação” daquilo que se mostrou ininteligível.

No caso da “Ariadne” de Manaus, a conotação política reclamada por Vilela* mostra-se cenicamente tênue, quiçá dispensável. Mas mesmo assim, a possibilidade de tornar ainda mais pública estas intenções, estabelecendo um diálogo ainda mais forte com o público, revela-se algo promissor para o debate estético e a fruição artística das óperas.

* Poucas horas depois da publicação deste texto, o diretor Caetano Vilela publicou em seu blog uma resposta sobre as observações aqui realizadas. Clique aqui ou acesse http://caetanovilela.blogspot.com

20 abril 2008

O desafio mahleriano

[Resenha da cobertura XII FAO, Manaus, 2008]
Em obra na qual o equilíbrio entre a sutileza e o vigor é desafio supremo, fica-se na expectativa de melhor desempenho para a segunda récita.

Como já é tradicional no Festival Amazonas de Ópera (FAO) as apresentações das óperas programadas ao longo do evento são, por vezes, intermediadas por concertos líricos. Este é o caso da "Canção da Terra", de Gustav Mahler, levada ao palco neste último dia 19 (após as primeiras apresentações de "Ça ira" e "Ariadne auf Naxos"), e que será reapresentada no dia 23.

Acompanhados pela Amazonas Filarmônica, sob a regência de Luiz Fernando Malheiro, o famoso ciclo de lieder ("canções", em alemão) de Mahler foi materializado pelas vozes da mezzo Denise de Freitas e do tenor Michael Hendrick.

Obra de intensa carga sentimental, sua partitura reserva aos seus intépretes desafios de várias naturezas. Mas a mais proeminente talvez seja o estabelecimento de uma relação de equilíbrio entre a sutileza e o vigor nos mais diferentes níveis e relações, próprios da escritura por contrastes de Mahler. Neste sentido, este equilíbrio é algo que ainda precisa ser concretizado na interação das vozes com a orquestra, que não raro encobriu os cantores, em especial, o tenor na primeira canção ("Das Trinklied vom Jammer der Erde") e a mezzo na quarta ("Von der Schönheit").

Em termos de vozes, não deixou de ser irônico notar que elas tiveram melhor desempenho em seus "registros opostos", isto é, os agudo do tenor Hendrick de fato não se fizeram presente quando eles foram exigidos, e o grave da mezzo Denise foi justamente a região na qual sua voz tornou-se quase inaudita. Por outro lado, é notável o desempenho e a beleza da voz da cantora nas passagens agudas da peça.

Mas os problemas não se limitaram às vozes, e mesmo parte do efetivo orquestral terá o que trabalhar para a próxima récita da obra, em especial os instrumentos de sopros madeiras, que à parte seus regulares desempenhos enquanto solistas, como conjunto ainda buscam a afinação adequada. Mas como o mundo é feito de contrapartidas, foi notável a qualidade sonora dos naipes de cordas, em especial os violinos, com um timbre bonito e coeso.

19 abril 2008

Pelos ares, em busca do canto

[Crônica da cobertura XII FAO, Manaus, 2008]
Sobre pessoas que cruzam o céu do país, fazendo da paixão lírica também seu objeto de trabalho

Chega o mês de abril, época em que tradicionalmente se inicia o Festival Amazonas de Ópera. Mas antes disto muita gente está, há meses, em intensa labuta, ensaiando, administrando, regendo, costurando, tocando, iluminando, enfim, trabalhando por tudo aquilo sem o qual uma produção operística não pode existir.

Porém, paralelamente ao pessoal que está diretamente envolvido com as óperas, há também aqueles que fazem dela seu objeto de trabalho, mas que neste caso consiste em observar, comparar, estudar, entender, refletir, explicar e, por fim, escrever sobre tudo o que está acontecendo no palco e em seu entorno. Sim, caro leitor, trata-se do trabalho dos jornalistas e/ou críticos, que como aves migratórias, preparam suas trouxas e saem de seu habitat natural rumo aos ares quentes e úmidos da Amazônia.

E como é comum com as aves migratórias, elas sempre saem em bandos, e este ano não foi diferente, com várias delas partindo juntas da vertiginosa Sampa rumo ao Norte. O bando já foi maior, mas mesmo reduzido, está fortemente representado por nomes como o de Nelson Kunze, editor-chefe da Revista Concerto, que há anos acompanha in loco o desenvolvimento dos mais diferentes eventos musicais em todo país. Também integrante do bando é João Luiz Sampaio, repórter do Estado de S. Paulo cuja paixão pela ópera foi se agigantando em sua vida. "Don Carlo" que o diga! Em estado de pura concentração estava Irineu Franco Perpetuo, crítico musical e tradutor que em pleno vôo estava a labutar mais um artigo para um dos veículos que colabora (Folha de S. Paulo, revista Bravo!, etc.). "Sensacional!" ;o)

Tinha também este que vos escreve, mais uma ave neste bando que, finda a estação de ópera, tem a satisfação de voltar para o seu habitat e falar para quem queira ouvir que a música é possível em qualquer lugar que realmente se queira, pois afinal, se "tudo vale a pena, se a alma não é pequena", tudo é possível para quem não acredita no finito. E amante da ópera que se preze jamais acredita que tudo acaba com o cair do pano...

16 abril 2008

Manaus 2008

Em sua 12a. edição, o Festival Amazonas de Ópera se divide entre a inovação e a tradição.

Ontem, 15 de abril, o Festival Amazonas de Ópera (FAO) deu o primeiro passo de mais uma etapa de sua existência, ao abrir a edição deste ano com a ópera "Ça ira", de Roger Waters (que já integrou da banda de rock inglesa Pink Floyd). Sob a direção artística do maestro Luiz Fernando Malheiro (auxiliado por um fiel séquito de músicos e produtores) o evento contará ainda com a apresentação de novas produções de "Ariadne auf Naxos", de Richard Strauss, "Maria Golovin", de Giancarlo Menotti e "Turandot", de Giacomo Puccini. Além das produções da casa, o FAO faz sua parte no processo de parceria de produções operísticas brasileiras, ao levar a Manaus a montagem paulistana de "João e Maria", que em contrapartida abrigará em agosto a montagem manauara de "Ariadne auf Naxos". Além das óperas, apresentações musicais variadas serão levadas ao palco ao longo do festival, que se encerra em 31 de maio.

Trata-se de um tour de force, no sentido mais verdadeiro que este galicismo pode expressar. Orquestra, cantores, maestros, técnicos, produção, governo e patrocinadores há meses se desdobram para colocar em pé este que é não apenas o principal evento lírico brasileiro, mas sobretudo um dos principais eventos musicais do país.

Para este ano o FAO volta a investir na fórmula que lhe têm assegurado o sucesso de crítica e de público há vários anos, isto é, desdobramento entre a inovação e a tradição. Por um lado uma ou mais montagem de um espetáculo que saia da grande tradição operística (seja pela proposta de encenação, seja pela ópera em si). Pelo outro, óperas famosas já cativas no gosto do grande público.

No ano passado a fórmula foi colocada em prática ao encenar-se uma controvertida montagem de "O navio fantasma", de Richard Wagner, pela concepção do diretor alemão Christoph Schlingensieff. Somou-se a este espetáculo o ambicioso (e bem sucedido) projeto de encenar a inquientante "Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk", de Dmítri Shostakóvitch, paralelamente a projetos mais "acessíveis" como a ópera "Poranduba", de Villani-Côrtes e uma série de concertos.

Este ano a ousadia está, evidentemente, em programar a ópera de um rockeiro para abrir o evento. É certo que a ousadia se refere muito mais a todo o contexto e exotismo que cerca o "Ça ira" de Waters do que pela música em si, mas mesmo assim o FAO acerta novamente o alvo ao se manter como um festival de ópera que, de uma maneira muito própria, é muito mais do que um festival de ópera.

A partir do próximo sábado, estendendo-se até do dia 22 de abril, o OutraMúsica cobrirá esta primeira grande leva do XII FAO, realizando não apenas resenhas dos espetáculos realizados durante este período, mas também lançando um olhar crônico sobre os bastidores e o entorno do evento e, com sorte, realizando entrevistas com alguns nomes que, de uma forma ou de outra, põem pra girar a roda desta grande festa da música lírica brasileira. Até lá!

Serviço:

XII Festival Amazonas de Ópera
(site: www.amazonasfestivalopera.com)
De 15 de abril a 31 de maio
Realização: Secretaria de Estado da Cultura do Amazonas
Patrocínio: Bradesco Prime e Lei de Incentivo à Cultura
Co-patrocínio: Petrobrás

10 abril 2008

A vida enquanto metáfora

Em sua versão do mito de Épido, o escritor japonês Haruki Murakami acaba por transcender a mera metáfora.

A tentação é grande, talvez mesmo inevitável, mas por mais pertinente que isto possa parecer, reduzir o livro "Kafka à beira-mar", de Haruki Murakami, a uma metáfora moderna do mito do rei Épido, imortalizado na tragédia de Sófocles, é uma interpretação demasiado limitadora e insuficiente.

Publicado originalmente em 2005, e agora disponível no Brasil (Alfagura/Objetiva, R$ 55, 571 págs.), o livro tem como foco narrativo a vida do adolescente Kafka Tamura, um pseudônimo para um nome verdadeiro o qual jamais saberemos ao longo do livro. Fugindo da sina edipiana, Kafka (aqui, uma dupla referência, tanto ao escritor Franz Kafka como no sentido literal, "corvo") foge de sua casa para tentar salvar sua vida, esquivando-se do pecado incestuoso. Paralelamente, temos a curiosa de história Oshima, que se inicia num tempo narrativo diferente, até chegar sincronicamente ao tempo de Kafka Tamura.

Elaborado com uma prosa engenhosa, nas aparências Murakami mira na metáfora edipiana, mas tem como verdadeira meta um alvo maior, isto é, a própria existência humana enquanto metáfora. Mas, afinal, o que a vida metaforiza? Esta é uma pergunta que não será respondida, ou melhor, a resposta reside nas entrelinhas na percepção individual de cada leitor (e daí justamente seu valor).

Personagens inusitados (tal como Coronel Sanders, dos restaurantes KFC, e o Johnnie Walker da famosa marca de whisky) e curiosos, bem como situações igualmente inverossímeis, pululam aqui e acolá, e estas referências que Murakami faz a elementos da vida moderna ao longo de sua obra
(por vezes flertando com o surrealismo) lhe tem rendido, por vezes, uma também reducionista rotulação de "escritor pop".

Porém, apenas quem quer deixa-se enganar pelas aparências, pois os ícones da cultura pop e do capitalismo cumprem na obra de Murakami o papel de mera metáfora (é claro).

A crítica musical em Murakami

O rótulo de "escritor pop" explica-se também por Murakami sistematicamente ambientar seus romances com diversos gêneros de música popular, em especial, o rock. Freqüentemente seus personagens estão ouvindo bandas e cantores de sucesso, mas sempre que muzak, isto é, como uma música de fundo, vazia, que nada acrescenta à trama ou mesmo a um personagem.

Mas não deixa de ser interessante notar que é por meio da música clássica que pontos importantes de sua trama e personagens encontram seu ponto de mutação. É o que ocorre em
"Kafka à beira-mar", onde o caminhoneiro Hoshino vivencia uma pequena epifania a partir da escuta do "Trio Arquiduque" de Beethoven. Não bastasse isto, Murakami tece neste livro uma das mais sintéticas e precisas impressões sobre a natureza estética da música do Romantismo, que cito abaixo a guisa de conclusão, sem maiores comentários. Leia e veja e vale ou não a pena conferir.

"Na minha opinião, as obras de Schubert foram feitas para desafiar regras preestabelecidas e para perder. Essa é a verdadeira natureza do romantismo, e a música de Schubert é, nesse aspecto, a quinta-essência do romantismo" [pág. 140]


06 abril 2008

O bem-vindo retorno de Falstaff

Produção original de 2003, o "Falstaff" do Municipal paulistano ainda tem muito o que mostrar.

É senso comum que o Brasil ainda não detém uma cena operística condizente com a efervescência cultural de seus centros urbanos. Se parte desta escassez é explicada pelos custos necessariamente altos que mesmo a mais simples montagem de ópera demanda, logo mostra-se urgente tornar mais perene as montagens realizadas no passado recente.

É por este caminho que se envereda a atual temporada de ópera do Theatro Municipal de São Paulo, iniciada pela remontagem de "Falstaff", de Giuseppe Verdi, uma produção original da casa estreada em 2003. A temporada ainda revisitará a produção de 2004 de "Colombo", de Carlos Gomes, e levará ao palco duas co-produções de casas co-irmãs: o elogiadíssimo "O castelo do Barba-Azul", de Béla Bartók (produção do Palácio das Artes, Belo Horizonte), e "Ariadne em Naxos", de Richard Strauss (produção do Festival Amazonas de Ópera que estreará este mês na capital manauara). Mas nem só de repetecos vive o Municipal, que também produzirá novas montagens, entre as quais, "Madame Butterfly", de Giacomo Puccini.

Mas voltemos ao Falstaff. Ópera singular dentro da produção verdiana, ela é marcada por uma escrita parcamente cantabile (ao menos para os padrões verdianos), na qual os momentos onde se pode finalmente poderia se esperar uma "bela ária" ou dueto são necessariamente interrompidos por outros desenvolvimentos da trama. Esta peculiaridade acaba por delegar aos cantores um peso ainda maior sob sua desenvoltura dramática, agravada pelo fato de se tratar de uma ópera buffa (afinal, fazer rir não é lá das tarefas mais fáceis para ator algum).

Neste sentido, só resta mesmo elogios ao trabalho musical e cênico empreendido pelo baixo-barítono Lício Bruno, na pele (e banhas) do glutão Falstaff. Com um trabalho corporal bem elaborado, Bruno conferiu ao personagem de Shakespeare a comicidade necessária, aliada ao seu desempenho vocal, algo que o cantor já havia feito de forma magistral no passado com outro personagem shakespeare-verdiano, isto é, o Iago do "Otello", na montagem de Manaus.

Apesar de a cargo de papéis menos exigentes, foram também exemplares as performances de Leonardo Estévez (como Ford), e o quarteto das "alegres comadres de Windsor", integrado por Regina Elena Mesquita, Laura de Souza, Flávia Fernandes e Edinéia de Oliveira. Neste ponto, é importante notar o bom trabalho do diretor José Possi Neto na obtenção de um espetáculo alegre e fluído.

De uma maneira geral o maestro chileno Rodolfo Fischer conduziu de forma competente a Orquestra Sinfônica Municipal e o Coral Lírico, e mesmos certos problemas (tal como a leve falta sincronia entre vozes e orquestra no final do primeiro ato) não foram suficientemente comprometedores pois, ao final de tudo, os risos e a alegria a tudo redimem.

Foto: Lício Bruno, como Falstaff (à esquerda) e Leonardo Estévez, como Ford.