Se uma das características mais marcantes da música ocidental do século XX é a pluralização de sua linguagem, não deixa de ser coerente pensarmos que este mesmo processo também ocorreu no universo da ópera. Sim, esta pluralização/fragmentação de fato sucedeu nos mais diferentes níveis lingüísticos da ópera, apesar de não ser tarefa das mais simples poder constatá-la na prática (afinal, se a própria música moderna ocupa um exíguo espaço no repertório contemporâneo, o que dizer da ópera moderna?).
Por isto trata-se de uma momento tão especial poder testemunhar a montagem de uma ópera como "O Castelo do Barba Azul", de Béla Bartók (1881-1945). Não bastasse o valor da obra em si, a montagem que foi levada ao palco do Theatro Municipal de São Paulo (montada pela primeira vez em 2006 no Palácio das Artes,
Sob a direção cênica de Felipe Hirsch (leia entrevista abaixo), a história do "Barba Azul" teve seus aspectos simbólicos ressaltados por meio do habilidoso contraponto traçado entre os cenários de Daniela Thomas, a iluminação de Beto Bruel e a projeção de imagens de Henrique Martins. Simples e econômicos, o conjunto resultou num discurso visual atraente, baseado no contraste entre reflexos, trevas e feixes de luz.
Apesar de bela e fundamental, a parte cênico-visual do espetáculo foi a responsável pelo único, mas muito problemático, "porém" desta montagem: devido ao fato do cenário estar disposto longe do proscênio*, a performance do baixo-barítono Stephen Bronk (Duque Barba-Azul) e da soprano Céline Imbert (Judite) foi necessariamente prejudicada. Por muitas vezes ficou difícil ouvi-los, e isto deve-se ao fato do centro do palco do Municipal não se tratar do lugar apropriado para emissão de vozes solistas (ainda mais com uma orquestra bartokiana no fosso).
Veteranos de longa experiência, a quem não poucos adjetivos são merecidamente endereçados, o problema do posicionamento cênico não foi suficiente para impedir a bela interpretação que Céline e Stephen.
Foi também notável a desenvoltura com a qual a Orquestra Sinfônica Municipal enveredou pela complexa partitura de Bartók. Sob a precisa regência do jovem Rodrigo de Carvalho, o grupo soube trabalhar as diversas matizes da escrita bartokiana, mostrando-se uma orquestra muito diferente daquela que reestreou o "Falstaff" no início do mês passado.
Com a casa cheia e uma ótima recepção do público ao final da récita, espera-se que o maior feito do "Barba Azul" brasileiro seja mostrar que há demanda e espaço para um outro tipo repertório operístico. Afinal, sem renovação, como então exigir a manutenção e o respeito à tradição?
* proscênio: parte dianteira do palco
Foto: Carol Sachs
Um comentário:
oi Leo, tudo bem? finalmente abro seu (muito bom) blog.. abs para vc
ale
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