14 setembro 2007

Adio, Pava!

Ícone da música universal do século XX, Luciano Pavarotti morre aos 71 anos.

“Penso che una vita per la musica sia una vita spesa bene ed è a questo che mi sono dedicato” (Penso que uma vida dedicada à música seja uma vida bem vivida, e foi para isto que dediquei a minha). A frase acima, atribuída a Luciano Pavarotti, tem acompanhado os mais diferentes obituários e homenagens dedicadas ao tenor italiano, que na semana passada, 6 de setembro, faleceu ao 71 anos, em decorrência das complicações de um tumor no pâncreas.

A frase de efeito não é um mero slogan: na condição de músico de primeira grandeza, dizer que Pavarotti dedicou sua à música não é figura retórica, mas sim um fato. Nascido em 1935 na cidade italiana de Modena, Pavarotti cresceu em meio a uma família muito pobre: sua mãe era operária em uma fábrica de charutos, e seu pai, cantor amador, ganhava a vida como padeiro.

Apesar da humilde condição de sua família, Luciano teve seu primeiro contato com a música por meio dos discos que registraram os grandes e populares cantores da primeira metade do século passado: Enrico Caruso, Tito Schipa, Giovanni Martinelli e Beniamino Gigli estavam entre as vozes que cotidianamente enchiam a modesta residência dos Pavarotti de música.

É tendo em mente este cotidiano nada glamouroso que a palavra “dedicação” ganha uma dimensão muito maior. Durante sua adolescência do cantor a Europa vivia sob um permanente estado de penúria que assolava o velho mundo após a II Guerra Mundial. Tal situação fazia da carreira artística uma opção das mais desaconselháveis para um filho de proletários. Por muito pouco Pavarotti não se dedicou profissionalmente ao futebol (obviamente, antes dele adquirir alguns quilinhos extras) ou mesmo ao ensino, mesmo após ele ter sido por dois anos professor de uma escola primária. A dedicação mostrou-se fundamental na medida em que o cantor teve que ir contra os anseios paternos e ainda assim trilhar uma educação musical praticamente sem recursos.

Formalmente, Pavarotti iniciou seus estudos de canto aos 19 anos, com o tenor Arrigo Pola que, ciente das dificuldades financeiras do promissor aluno, não lhe cobrou as aulas dadas. Porém, foi apenas em 1955 que Pavarotti optou de forma irremediável pela carreira musical, após o Choral Rossini, do qual ele e seu pai eram integrantes, ter ganhado o festival International Eisteddfod, no país de Gales. Seis anos depois, Luciano estreava na ópera no papel de Rodolfo de “La Bohème”, de Giacomo Puccini, no teatro municipal da pequena cidade de Reggio Emilia. Foram os primeiros passos para uma carreira musical sem precedentes.

Muito mais que um tenor

Ao longo de sua carreira, Pavarotti interpretou todos os papéis óperas apropriados para seu timbre e constituição vocal, marcada por uma grande potência e, fator de relevância, um timbre belo e singular, fator que tornou sua voz única e imediatamente reconhecível. Entre os anos 60 e 80 o cantor esteve presente nos principais palcos de ópera do mundo ao lado dos principais cantores, regentes e orquestra de sua contemporaneidade.

Porém, em meio a uma trajetória já excepcional, Pavarotti empreende ações então pouco comuns em cantores de sua envergadura, bem como no universo clássico como todo. A primeira das mais significativas ocorreu no início da década de 80, quando ele lança o “Pavarotti International Voice Competition”, um concurso voltado para a revelação de jovens talentos, cujos vencedores contracenariam com o Pavarotti em pessoa.

O barítono brasileiro Carmo Barbosa foi um dos vencedores da primeira edição, e relata a nobreza de caráter do cantor. “Pavarotti foi um grande incentivador do canto e dos cantores. Tinha um grande interesse pela técnica vocal sem nunca perder de vista a questão musical”, diz o Barbosa, que faz questão de testemunhar o quanto Pavarotti era acessível e atencioso para aqueles que realmente se preocupavam com a música.

Mas foi em 1990 que Pavarotti, associado aos seus colegas Plácido Domingo e José Carreras e ao regente Zubin Metha, fez história com o espetáculo “Os Três Tenores”. No princípio idealizado como parte integrante das festividades da Copa do Mundo, na Itália, posteriormente o projeto ganhou vida própria. Marco na indústria fonográfica mundial, o projeto catapultou o canto lírico italiano à condição de popular.

Dos três tenores, Pavarotti foi certamente o que melhor soube explorar as possibilidades abertas com o conceito de “ópera popular” simbolizado pelo projeto. A partir de então se apresentou ao lado de diversos músicos populares em parcerias que procurava minimizar o caráter elitista associado à ópera (Roberto Carlos, Queen, U2, Céline Dion e James Brown são algumas das ecléticas parcerias que o tenor empreendeu em sua carreira).

Foi com este mesmo ímpeto que Pavarotti apresentou-se solo ao redor do mundo para estádios lotados por uma heterogênea platéia que desembolsava quantias nada irrelevantes para ouvir pela sua voz o repertório que parecia ter sido criada especialmente para ela, isto é, canções e árias de óperas italianas compostas entre a virada dos séculos XIX e XX. Divulgação ou usura? Não importa, pois o importante é que Pavarotti foi peça-central na difusão do repertório lírico para além dos batentes das casas de óperas.

Com sua morte, a voz de Luciano Pavarotti silencia, mas tal qual a luz de uma estrela, que mesmo após sua extinção continua a se propagar e a iluminar o espaço, assim ocorrerá com sua música, que reverberará por muito tempo no imaginário musical das gerações presentes e futuras.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]