23 abril 2012

Dia do Livro e a Música

Já que o pessoal está falando que hoje é o Dia do Livro (para mim, "todo dia é dia de livro"), faço então uma modesta seleção de ficções e poesias para meus amigos músicos. Isto porque, particularmente, não raro aprendi muita coisa sobre música e arte nestes textos de imaginação plena. Livros técnicos são importantes, mas somente a ficção dimensiona a poesia de nossa arte. Vamos lá:
- "Dr. Fausto", de Thomas Mann (narra a vida de um compositor no início do século passado pela perspectiva de seu melhor amigo. O filósofo e músico Adorno ajudou Mann a escrever as passagens musicais, verdadeiras sinfonias com sujeito, verbo e predicado)
- "Jean-Christophe", de Romain Rolland (um "romance de formação" de um compositor, livremente baseado na vida de Beethoven).
- "Música perdida", de Luiz Antonio de Assis Brasil (ambientado no Brasil da virada entre os séculos XVIII para o XIX, fala da trajetória de um "mestre-mulato")
- "The Roominghouse Madrigals", "Play the Piano Like a Percussion Instrument Until the Fingers Begin to Bleed a Bit" e "Hot Water Music", de Charles Bukowski (o velho safado sempre acaba dando um jeito de falar de música clássica tanto em sua prosa como em sua poesia. Estes valem muito a pena).
- "Kafka à Beira-mar", de Haruki Murakami (o célebre autor japonês tem verdadeira paixão por música clássica e jazz, e volta e meia ele convida seus leitores a megulhar no mundo dos sons. Neste título, um verdadeiro tratado da escuta improvável).
Tem muito mais! Mas estes daí em cima "dão pro gasto", rs. BOA LEITURA!

01 abril 2012

Notícias musicais de um 1o. de abril [A.D. MMXII]

Deu hoje nas principais agências de notícias do mundo

Salzburgo (Agência Reuters): Após anos em obsequioso silêncio, o maestro Herbert von Karajan finalmente se manifestou em uma seção espírita realizada na residência dos von Gutenberg, cuja senhora, Frau Herta, é uma das mais ativas entusiastas da doutrina na famosa cidade austríaca (em tempo: Frau Herta passou a professar a doutrina quando numa breve passagem pelo Brasilien). Em princípio houve dúvidas se a voz era mesmo de von Karajan, mas as dúvidas foram dissipadas quando se ouviu um ríspido “Scheisse! O que vocês fizeram com minha orquestra?!” quando um amante da música antiga presente na seção chateou-se com a presença (por assim dizer) do famoso maestro. A irritação do maestro deu-se quando o referido integrante da mesa evocou pelo nome de Gustav Leonhardt (que há pouco passou desta para melhor), pois queria saber se o famoso cravista e maestro tinha verificado com seus novos companheiros celestes (leia-se: Bach, Mozart, Rameu, Gabrielli e tutti quanti) se a interpretação histórica, afinal, estava fazendo jus ao que eles ouviam nos idos tempos em que estavam vivos. Irritado pelo desdém do participante, em sua fala von Karajan se referia à gravação das sinfonias de Brahms realizadas que Harnoncourt realizou já há algum tempo com “a MINHA orquestra”, entenda-se, a Filarmônica de Berlim. Segundo relatos, passado o desentendimento inicial, von Karajan manteve o tom de insatisfação ao se declar decepcionado pelo esquecimento de sua cidade natal por seu filho maior. “Toda hora é Mozart aqui, Mozart pra lá, e eu, como é que fico nesta história?!”. Entre as reivindicações, von Karajan quer que seja implantado “Real Karajan City Tour”, além de uma linha própria de bombons, nos mesmos moldes (e sabores) dos Mozartkugeln. Procurada pela reportagem, a prefeitura de Salzburgo não se manifestou sobre o assunto.

- Pequim (Agência Fox News): Um escândalo ronda o gigantesco departamento de piano do Conservatório de Pequim. Durante sua visita à instituição, o jornalista norteamericano A.R.* (seu nome é omitido por recomendação da CIA), ao se desviar do grupo conduzido pelo relações públicas local (Sr. 郎朗), inadvertidamente entrou em um ala do portentoso edifício, onde se deparou com vários pequenos estúdios. Ao olhar pela janela da porta de um deles, O* se surpreendeu com a presença do astro Lang Lang ao piano. A julgar pelo espalhafatoso gestual (pois a porta era vedada acusticamente), A.R.* concluiu que Lang Lang tocava alguma peça barroca (sic). Decidido a não incomodar o astro-rei do piano contemporâneo, A.R.* seguiu pelo corredor, e qual não foi sua surpresa ao se deparar com outro Lang Lang, em outra sala de estudo! A julgar pelo espalhafatoso gestual (pois a porta era igualmente vedada acusticamente), Lang Lang tocava alguma peça romântica (“pelo seu olhar, acho que tocava algo de Whitney Huston”, declarou A.R.* com exclusividade a Fox News). Atordoado, A.R.* começou a espiar por todas as portas, e em todas se via um Lang Lang. Especialistas no assunto especulam que o governo chinês esteja usando um expediente que, num passado recente, era exclusivo para grandes ditadores, que tinham seus “clones” preparados para exposição pública, enquanto o verdadeiro restava em segurança num lugar secreto. Entretanto, resta saber os propósitos desta curiosa e custosa ação para o caso do famigerado pianista. Indagado sobre o assunto, um famoso crítico inglês N.L.* (seu nome é omitido por recomendação da Scotland Yard) limitou-se a dizer, enigmaticamente, “aí sim tudo passa a fazer sentido”. Procurada pela reportagem, diversas instâncias do governo chinês não se manifestaram sobre o assunto.

- Paris (Agência Le Figaro): Os músicos do metrô da Cidade Luz estão em pé de guerra com as autoridades locais. Tidos como verdadeiros monumentos vivos da cidade, eles agora se vêem ameaçados pelo Ècadu (pronuncia-se “écadi”, fazendo biquinho no “di”), sigla gaulesa para um obscuro escritório de arrecadação e distribuição de direitos autorais musicais da terra da liberté, egalité, fraternité. Até então com atuação focada nos meios eletrônicos e em grandes espetáculos, o Ècadu decidiu pela “democratização de seus serviços” (conforme nota oficial do órgão), e passará também a recolher, in loco, os dividendos resultantes das atividades alternativas de apresentação musical. Além da conhecida má vontade francesa para pagar impostos (e que Luís XVI não me deixa mentir), o que tem incomodado ainda mais os músicos é a presença de um fiscal do Ècadu em cada estação do metrô. Pelo protocolo da instituição, eles estão autorizados a recolher 10% do montante obtido por cada músico ou grupo ao fim de suas atividades no underground parisiense. Porém, relata-se mesmo casos de fiscais que recolhem o dinheiro direto da mão dos generosos usuários e turistas. “Além de ser uma cobrança injusta, isto tem afastado nosso fãs, que se sentem acuados pela presença dos fiscais”, relata o cantor, compositor e multi-instrumentista Guilhôme de Machô, que desde o século XIV atua nas profundezas da Estação Cité. Outro polêmico gira em torno da arredação de direitos autorais de obras de compositores desconhecidos ou que cujo prazo o copy-all-right já tenha caducado. “Na democracia deve-se cobrar tudo de todos” informa o Ècadu na mesma nota, que conclui que “o montante referente às execuções de artistas falecidos são também direcionados em seu próprio benefício”. Por meio da consultoria especial de Frau Herta Gutenberg, a reportagem tentou entrar em contato com alguns destes compositores, mas até o fechamento desta edição, nenhum se manifestou sobre o assunto.

- Brasil (Agência OutraMúsica): Anunciado em um dos Estados da federação um ambicioso projeto ligado à música clássica. O repórter do OutraMúsica obteve com exclusividade os termos que de um Sistema de Música que prevê a implementação (sic) de duas grandes orquestras sinfônicas (uma “européia” e outra “americana”), dois corais, um grupo de I.M.H.O. (sigla para Interpretação Musical Historicamente Orientada), outra de música contemporânea, um teatro de ópera e balé com uma ampla e equipada área de produção técnica, um auditório de música de câmara, dois festivais-escola (um de verão e outro de inverno), além de novos prédios para suas instituições de ensino, munidos de diversas salas de aula, estúdios e auditórios de uso interno. A reportagem do OutraMúsica só não conseguiu apurar qual Estado é este, mas prevê-se que ele seja oficialmente anunciado exatamente daqui a um ano.