29 janeiro 2008

A festa das festas

Presente em diversos países, o carnaval é uma celebrações de múltiplas facetas
O povo ganha as ruas e os lugares das cidades. Muitos portam fantasias e adereços (apenas alguns se vestem como em seus dias cotidianos). A música soa por toda parte, e não raramente, diferentes músicas se sobrepõem umas às outras. Há cor, riso e alegria no ar, além do perfume de bebidas alcoólicas e do suor das pessoas que se aglomeram para celebrar.
A descrição acima se encaixa perfeitamente nos diversos tipos de festas carnavalescas existentes pelo Brasil afora. Mas, se de um lado, diz o dito popular que o Brasil é a terra do samba, pelo outro quase todo o planeta é terra de carnaval. Desde as Américas, passando pela Europa, Oceania e, mais recentemente, até algumas tímidas encenações na Ásia, o carnaval é – ao lado do Natal e do Ano-Novo – uma das grandes celebrações da humanidade. Mas talvez nenhuma delas superem o carnaval em termos de festa e de alegria: em suas diferentes facetas, o carnaval é definitivamente a celebração que mais energia exige de seus participantes.
A festa e suas origens
Mundialmente conhecido como carnaval – com apenas poucas variantes, tais como carnival, em inglês, e carnavale, em italiano – o termo tem sua origem do latim carnem levare que literalmente significa “abstenção da carne”. Em princípio sem nenhuma conotação metafórica, o abster-se da carne refere-se ao período de penitências e sacrifícios do cristianismo (em especial, o católico), isto é, a Quaresma, que se inicia na Quarta-Feira de Cinzas e termina na Sexta-Feira da Paixão.
Tradicionalmente, o carnaval é comemorado na terça-feira que antecede a Quaresma: tendo em vista o aspecto sóbrio – inclusive dietético – que se instalará durante estes quarenta dias, a véspera da Quarta-Feira de Cinzas é o dia do “bota-fora”.
Durante a Idade Média esta terça-feira foi a ocasião na qual toda e qualquer carne presente numa determinada casa deveria ser consumida de uma só vez em numa grande festança (por isto ela é batizada como Terça-Feira Gorda). Este fato é parte da explicação para o carácter orgiástico que o carnaval tem em alguns lugares.
Outra explicação possível da festa, apesar de carecer de fundamentação histórica, é que o carnaval tem suas origens na cultura romana da Antigüidade, onde certas festas populares (como chegada da primavera, as saturnais e o culto a Apolo) giravam em torno de uma espécie de totem móvel chamado carrus navalis. Tal como ocorreu com o Natal, o carnaval pode ter sido uma festa tipicamente “pagã” assimilada durante os primeiros séculos da era cristã.
Sua possível ascendência na cultura greco-romana é, inclusive, a explicação de um personagem-símbolo do carnaval brasileiro: o Rei Momo. Tido como a personificação do sarcasmo, tanto na Grécia como na Roma antiga, Momos (ou Momus) era uma divindade que surgia em festas e comemorações.
Apesar do termo carnaval se referir especificamente à Terça-Feira Gorda, o período carnavalesco muda conforme as diferentes tradições. Se no Brasil comemoramos o carnaval desde a noite de sexta-feira que antecede a Quaresma (e nos últimos tempos, como na Bahia, já adentrando na própria Quaresma), a festa tem sua extensão máxima, ao menos religiosamente, entre o Natal e a Quaresma. Em Colônia, na Alemanha, há um curioso carnaval no dia onze de novembro (11/11) que começa às 11h11min, e em Munique a celebração é, por sua vez, realizada no dia da Epifania (6 de janeiro).
O carnaval mundo afora
Seja qual for a origem do carnaval, uma coisa é certa: seu berço encontra-se sob solo europeu. Sua ligação com o cristianismo fez dela uma celebração que pode ser encontrada em diferentes países, cada qual festejando de um modo que pode ser entendido como um reflexo do inconsciente coletivo de sua sociedade. Dentre as diversas festas encontradas no Velho Mundo as mais globalmente conhecidas são as de Cádiz, na Espanha, e o de Veneza, na Itália.
O carnaval de Cádiz mantém-se como uma festa do presente, viva e que ainda hoje mobiliza sua população. Já o famoso carnaval de Veneza atem-se às tradições seculares, promovendo seus desfiles de mascarados à la século XVIII, apesar de outros tipos de atrações que a prefeitura promove para segurar o turista na cidade após o sumiço dos elegantes travestidos.
A origem cristã-européia é a chave para a compreensão da disseminação do carnaval mundo afora. Praticamente todo país que viveu sobre a influência de nações católicas desenvolveram, em maior ou menor medida, o hábito de comemorar o carnaval. Isto explica, por exemplo, o famoso Mardi Grass (ou Terça-Feira Gorda) de New Orleans, cidade norte-americana berço do jazz e que sofreu uma forte influência da colonização francesa.
Na América Latina o carnaval é uma festa presente em países como a Bolívia (e seu “Carnaval Oruro”), México, Colômbia, Honduras e Trinidad e Tobago, todas elas com suas origens em festividades espanholas.
Com o Brasil não foi diferente, e apesar das múltiplas manifestações do carnaval ao longo dos tempos e do território brasileiro, é historicamente clara as origens portuguesas de nossa folia nacional, entre as quais, o entrudo, herdado da corte portuguesa do século XVII. Considerado um tanto brutal – pois as pessoas eram alvejadas por bexigas de animais recheadas dos mais diferentes (e asquerosos) tipos de líquidos – a tradição do entrudo é ainda presente nos dias hoje na forma dos modernos sprays de espuma, serpentinas e pistolas d’água.
E é pela soma entre a tradição de hábitos imemoriais e o anseio presente de celebração e desforra que o carnaval mantém-se, mundo afora, como uma das mais contagiantes manifestações de alegria da humanidade.
Ilustração: Pieter Brueghel, o Velho: Combate entre o Carnaval e a Quaresma (1559).
[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil, em 2007. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!!!]

07 janeiro 2008

Aplausos, para que te quero?

A propósito de um debate sobre etiqueta na sala de concertos engendrado na comunidade Orkut Música Erudita / Classical Music:

Como todo manifestação cultural, a música de concerto amalgama um público que com o passar dos tempos passa a criar hábitos todos próprios. Uma vez arraigados neste grupo de pessoas, todo um conjunto de comportamento surge, e então a noção "etiqueta" passa a ser pertinente. Pode até ser que fora da sala de concertos você não siga estes hábito à risca, mas dentro do templo sagrado é vital seguir a etiqueta/regra.

De fato, hoje em dia há uma série de convenções mais ou menos consolidadas. Em concertos e recitais só se aplaude no final da peça (jamais entre os movimentos, ou então você estará condenado à danação eterna). Em relação às óperas, cada uma possui um verdadeiro mapa de aplausos, trechos nos quais a platéia não raro chega a agir como claque (depois de uma ária famosa, de um dó agudo, etc.).

Particularmente, acho que a etiqueta é boa, pois auxilia a concentração do músico e da audiência. Mas a etiqueta deve ser usada como sugestão, não como lei. Deve-se ser superada quando desejado, e quando assim for, o cúmulo da falta de etiqueta é fazer um ruidoso shiiiiiiiiiii para refrear um aplauso espontâneo. Volta-e-meia a tal "etiqueta de concertos" inibe a espontaneidade do público e, quiçá, do próprio músico.

Vale a pena lembrar que o que hoje se considera "boa etiqueta" no passado não era bem assim. Mozart, em suas cartas, relata que o público parisiense aplaudiu uma sinfonia sua no meio do primeiro movimento (sim! durante a execução da música). Sobre um certa sinfonia de Beethoven (escrevo de cabeça, desculpe-me), relata-se que o público não só aplaudiu entre os movimentos, como também pediu para repetí-lo antes mesmo que as demais partes fossem tocadas.

Afinal, onde reside o meio termo entre a espontaneidade e a falta de etiqueta?

Pessoalmente, não aplaudo entre os movimentos, mas não vejo nenhum problema em quem o faça.

Para mim, a verdadeira falta de etiqueta reside numa conversa feita durante a música, num papel de bala sendo demoradamente aberto, no surto de tuberculose que acomete parte da platéia entre os movimentos (antes os aplausos do que as tosses, oras bolas!), nos bips sonoros dos relógios (tem os de 15 em 15 minutos, os de 30 em 30, e os de 60 e 60) e, é claro, nos celulares que tocam no meio de um espetáculo.

Não é aí onde reside o cúmulo da falta etiqueta?