26 dezembro 2006

Clássicos: o que fazer em caso de verão?!

Na praia, no campo ou mesmo pra quem ficou na labuta, algumas idéias para curtir o período de estiagem de concertos.

Pois bem pessoal, o ano passou, muita música rolou pelos ares, ouvidos e arrepios. Mas eis que chega a hora da estiagem de concertos, e para que realmente gosta de boa música (não falo apenas da dita-cuja clássica...), é quase um contra-ataque de horrores. Quem, num período como este, não teve que engolir muita música ruim compulsoriamente?

Tem o vizinho que se diverte em alto e bom som (bom?) com seu novo aparelho adquirido no natal. Tem mais um playboyzinho que neste exato momento está passando em frente da sua casa com o volume do carro no máximo. Tem o boteco a alguns metros de você, encorajando-o a encher a cara para, então, abstrair-se de tanta música medonha. Tem seus filhos (ou irmão, sobrinhos, enfim, estão todos no mesmo barco) vendo pela enésima vez aquele desenho animado com suas canções dubladas.

Para você, que até já perdeu a fé na humanidade diante de tanta barbárie sonora, segue algumas dicas para tornar suas férias (ou do trabalho, ou dos concertos) musicalmente mais instigantes. Vamos lá:

> Um: Pegue todos aqueles CDs que você comprou ao longo do ano e ouça-os com calma e prazer. Não vale ouvir no toca-discos do carro, ou enquanto arruma a casa, ou enquanto está internetando ou fazendo qualquer outra coisa. Desligue-se de tudo (celular, telefone, pc) e planeje ao menos uma horinha apenas ouvir - puro e simplesmente ouvir - música. Mesmo os versados na notação musical estão proibidos de acompanhá-las com partituras.

> Zwei: Choveu e, por um acaso, tem um PC conectado a banda larga perto de você? Ótimo! Acesse o YouTube e no campo onde você coloca o nome da "coisa" a ser procurada coloque o nome de seus intérpretes, compositores e obras prediletas. Acredite, você pode se surpreender com o que irá achar...

> Trois: Continuou a chover e não agüenta mais jogar tranca, buraco e pif-paf com a parentada? Então pegue seus CDs prediletos e deles selecione as faixas que mais gosta. "Como assim, desmembrar um movimento de sinfonia de sua completude artística?!" Sim, é isto aí mesmo. Faça uma seleção apenas dos momentos que mais gosta. Ou, se preferir, pense que fará uma seleção musical para uma pessoa amada (cônjugues, consortes, amantes, paqueras, filhos, amigos, etc). Uma dica para entender o que quero dizer é assistir ao singelo Alta Fidelidade. Para extrair as faixas do CD e, se quiser, transformá-las em MP3, recomendo o enxuto software CDex. IMPORTANTE: a ordem com a qual as músicas serão dispostas na seleção dizem muito sobre você ou sobre o você quer dizer à pessoa a quem a seleção é dedicada.

> Quattro: Filmes são sempre uma boa pedida, e assistir filmes prestando atenção em seu discurso musical é uma experiência estética singular. Algumas indicações especiais: Laranja Mecânica, Dançando no Escuro, Era uma vez na América, Fanny e Alexander, Ensaio de Orquestra, Match Point, entre muitos e muitos outros. Para sair de casa, tem O segredo de Beethoven, que anda relativamente bem recomendado por aí. Ainda não assisti, mas quem não se arriscaria para desfrutar de mais uma aparição de Ludwig van?

> ε (5 em grego, acho eu...): Deu pra dar uma escapadinha e sair um pouco de casa ou do trabalho (olha lá hein? me refiro a um outro tipo de escapada)? Então aproveite e fuçe nas lojas, mega stores, sebos, enfim, todo e qualquer lugar que possa ter música (ou ao menos um bom ar condicionado). Mas procure apenas por promoções. Quero dizer, busque por discos de bons selos e intépretes a preços interessantes (i.e., até uns R$ 25 num álbum simples até R$ 40 por DVD). Acredite, dá pra achar muita coisa bacana gastando "pouco". Mas cuidado, é de grão em grão (ou melhor, de disco em disco) que você sem querer pode encher o papo da galinha (isto é, algum banqueiro por aí...).

> Six: Claro, tem também os livros. Apenas para me concentrar no tema deste post, há ótimas dicas de livros sobre música lançados este ano. Dentre tantos, tenho duas especialmente agradáveis: as interessantíssimas Cartas, diários e cadernos de conversação, do grande Ludwig van e o monumental e apaixonante Jean-Christoph, romance em três volumes Romain Rolland sobre a vida de um compositor fictício. Vale muuuuuuuuuito a pena.

> Septum: E, claro, muitas vezes não há nada melhor do que simplesmente nada fazer. Ouvir o som dos passarinhos, ouvir o silêncio, enfim, desligar-se de verdade pode ser, muitas vezes, a melhor coisa a se fazer numa sociedade que insiste em entreter e "distrair". No máximo, faça uma caminhada, pegue uma estrada e toque dentro de sua cachola as músicas que mais ama (com qualquer equipamento sonoro no OFF!).

Assim sendo, bom verão, e para os privilegiados, boas férias!

15 dezembro 2006

A música na terra de Shiva

Livro de Alberto Marsicano é uma boa introdução ao universo da música indiana.

Desde finais do século XIX a arte do ocidente tem se aproximado, ainda que de forma tímida, da cultura oriental. Na música, isto pode ser percebido por meio de pequenas referências orientais em meio às práticas já tradicionais na Europa: ora é uma escala musical que evoca novas sonoridades (como em Debussy, por exemplo), ora são canções com poesia oriental traduzidas para os mais diferentes vernáculos (como Mahler e Zemlinsky). Mas, apesar de tudo, trata-se de uma visão bastante restrita de oriente, míope, na qual diferentes tradições são freqüentemente entendidas de forma indiscriminada e a presença da sonoridade oriental limita-se a um mero exotismo.

Somente a partir do século XX, mais precisamente após sua segunda metade, é que o oriente passa a ser melhor estudado pela antropologia ocidental. É quando o próprio ocidente atravessa a zona de turbulência de suas próprias revoluções – políticas, culturais, sexuais, etc. – é que a cultura indiana passa a ser conhecida em todo seu esplendor pelo oriente. É somente então que sua música passa a ser ouvida neste lado do mundo, que ainda hoje insiste em ouvi-la como entretenimento e diversão, alienado de sua razão necessariamente religiosa, ritualística e espiritual de ser.

Introduzir de forma fácil e agradável o ouvinte ocidental ao universo todo próprio da música indiana é o principal mérito do livro “A música clássica da Índia”, escrito pelo brasileiro Alberto Marsicano. Músico, poeta e tradutor, Marsicano constrói a narrativa deste livro a partir de sua própria experiência com a música indiana na ocasião em que estudou na Universidade de Benares. Nesta cidade ao norte da Índia, banhada pelas sagradas águas do rio Ganges, o autor teve aulas com importantes músicos, tais como Krishna Chakravarty e Pandit Ravi Shankar (que ficou muito conhecido no ocidente a partir de seu relacionamento com o beatle George Harrison).

Menos que um tratado sobre música indiana, o livro é sim um convite àqueles que nada sabem sobre a cultura indiana como um todo, e por isto pode frustrar as expectativas dos já iniciados. Em seu propósito de explicar o complexo sistema religioso e cultural que sustenta a música tradicional indiana, Marsicano pontua seu texto com pequenas citações e estórias oriundas deste povo que vive imerso num estado de profunda espiritualidade.

À parte a contextualização cultural de sua música, o autor também se detém na explicação técnica de aspectos da teoria que fundamentam a música indiana à luz da linguagem ocidental. Esta proposta se mostra especialmente interessante quando Marsicano traça paralelos entre o pensamento musical da Grécia da Antigüidade com a tradição indiana.

Porém a obra não se limita à explicação literária: o livro é acompanhado por um CD no qual o próprio Marsicano toca ao sitar alguns ragas, um dos principais gêneros de música indiana, acompanhado pela tabla de Edgar Bueno. Complementa ainda o CD pequenas “ocidentalizações”, tais como música de compositores europeus, como Debussy e Satie, ao som do singular instrumentarium indiano.

Foto: encontro entre o violinista Yehudi Menuhin com Pandit Ravi Shankar.

Serviço: “A música clássica da Índia”, de Alberto Marsicano.
Editora Perspectiva, 113 págs. + CD, R$ 36.
Clique e compre! (acredite, não estou ganhando nada com isto...)

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

12 dezembro 2006

Um olhar pelos bastidores da "nova Osesp"

Trabalho acadêmico faz interessante panorama sobre a construção da orquestra de John Neschling

Neste início de dezembro as estudantes de jornalismo Isabel Braga, Karin Hueck e Vivian Almeida defenderam na Faculdade Cásper Líbero seu trabalho de conclusão de curso, que tinha como objetivo investigar "a construção da nova Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo", a Osesp.

Sob a orientação do professor Celso Unzelte, em "Em grande escala" o texto apresentado por estas jovens estudantes (agora profissionais) é fluído e agradável de ler. Imediatamente o trabalho tornou-se a principal referência acadêmica para quem quer compreender o processo de reestruturação desta que é considerada a melhor orquestra brasileira.

Subsidiada por uma grande quantidade de depoimentos e pela pesquisa aos arquivos dos principais veículos de mídia impressa brasileiros, "Em grande escala" tem como partida a era a.N. (antes de Neschling) da orquestra, desde seus claudicantes primórdios até a agonia administrativa que fazia coro à própria agonia física dos últimos dias de vida maestro Eleazar de Carvalho, antecessor de Neschling.

Apesar de se propor a contar a história da construção da nova Osesp, o ponto forte do trabalho é ênfase nos dois grandes escândalos pelos quais a orquestra passou na era d.N., isto é, as demissões de músicos na crise de 2001 e a lambança do Concurso Internacional de Piano Villa-Lobos, realizado neste ano (também tratado pelo OutraMúsica no seguinte link).

Com potencial para maiores desenvolvimentos, fica-se na expectativa que este trabalho venha a ser publicado e que nossa escassa literatura musical possa ganhar uma significativa contribuição.

09 dezembro 2006

A diva que veio do frio

Cantora lírica russa Anna Netrebko lança álbum dedicado à música de sua pátria

Toda diva tem uma curiosa história de vida, mais ou menos picante, trágica ou simplesmente curiosa. A história da soprano russa Anna Netrebko não poderia ser mais improvável: antes de pisar no palco do teatro onde canta, a soprano passou muitas horas esfregando seus corredores e escadarias, nos tempos em que era uma simples faxineira do Teatro Mariinski, de São Petesburgo.

Mas, como toda a diva, Netrebko tem uma legião de fãs espalhados pelo mundo, sempre a cultuar a sua voz, bem como sua beleza física. Como toda diva, Netrebko tem também uma tropa de contestadores, que não se deixando amolecer por seu lânguido olhar que estampa seus CDs ou por sua comovente condição de gata borralheira, colocam alguns “poréns” a propósito de seu canto (“mais balança do que canta”, “sua pronúncia no italiano não é lá grandes coisas”, etc.).

Não importa. Diva alguma é unanimidade, e como toda diva ela vende, e muito. Freqüentemente todo um repertório passa a ser associado a esta diva, e com Netrebko não parece não ser diferente a partir de seu mais recente lançamento “Russian album”, no qual a interpreta árias e canções com textos originalmente escritos em russo, acompanhada pela Orquestra do Teatro Mariinski (aquele mesmo onde trabalhou com outro tipo de papel), regido pelo maestro Valery Gergiev.

Detentora de uma exuberância musical que dispensa maiores explicações, a recepção da música russa no ocidente sempre foi muito limitada no âmbito vocal. Enquanto que as sinfonias de Tchaikóvski, as sonatas de Prokófiev, os concertos de Rachmáninov e os balés de Stravínski gozam de ampla popularidade, a prática ocidental da música vocal russa sempre esbarrava no problema do idioma.

Apesar dos cantores líricos de qualquer nacionalidade (seja como solista, seja como coralista) estarem acostumados a cantar nos mais diferentes idiomas – tais como o latim, alemão, italiano, inglês e o francês – cantar em russo está longe de ser uma trivialidade.
Desta forma, o “Russian album” que Netrebko estrela interessa não apenas a seus fãs, mas aos admiradores da música vocal e da música russa como um todo. Nesta amostragem do canto em cirílico (nome do todo próprio alfabeto russo) as pequenas canções contidas no álbum são apenas um pequeno aperitivo do que realmente arrebata no repertório escolhido.

De todo o conjunto, são as árias das grandes óperas russas do Romantismo o que mais chamam atenção nesta bela seleção musical. Vide, por exemplo, a melancólica passagem extraída de “A noiva do Tsar” de Glinka, ou a belíssima cena da carta da ópera “Eugene Onegin”, de Tchaikóvski.

E, é claro, não deixe de ouvir a cena extraída da ópera “Guerra e Paz”, de Prokófiev, na qual Netrebko reserva uma bela interpretação de Natasha, a célebre heroína da obra máxima de Tolstói. Tudo indica, a Natasha de Netrebko poderá ser em breve conferida em DVD numa montagem a ser filmada no mesmo teatro em que a diva russa costumava se ajoelhar para lavar o chão da audiência que, hoje, ajoelha-se aos seus pés.
Leia abaixo a entrevista concedida por Anna Netrebko.
Serviço: “Russian album”, Anna Netrebko (soprano), Valery Gergiev (regente) e Orquestra do Teatro Mariinski. Deutsche Grammophon, aprox. 64 min., R$ 40 (nacional).
[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

E-mail entrevista com Anna Netrebko

Existem muitas lendas a respeito do início de sua carreira. Afinal, qual é a sua versão?

Tenho ficado um pouco cansada destas histórias. A verdade é que eu já estudava canto no Conservatório de São Petesburgo e trabalhava como faxineira no Teatro Mariinski apenas para ver o maior número possível de apresentações. Entretanto, eu fiz minha audição com o maestro Valery Gergiev como qualquer outra cantora, e foi assim que ele me descobriu.

Quais cantores você admira e os tomam como referência?

Renata Scotto e Mirella Freni, definitivamente. Em relação à Rússia, considero o maestro Gergiev meu padrinho musical.

Como foi para você gravar para platéia internacional uma parcela do vasto repertório russo que, na verdade, é pouco difundido?

Na última década a recepção da ópera russa no mundo foi progredindo de uma forma muito bonita: apenas dez anos atrás composições russas eram muito menos conhecidas do que são agora. Esta mudança ocorreu porque Gergiev e o Teatro Mariinski têm trabalhado duro para isto, e tem levado ao palco muitas montagens para além da Rússia. E eu estou muito orgulhosa em fazer deste maravilhoso desenvolvimento.

Existe algum papel que ainda não tenha cantado na ópera?

Bem, é sempre uma questão se um determinado papel é adequado a minha voz. Alguns papéis, como a “Tosca”, de Puccini, ainda não são para minha voz.

Do que gosta da música brasileira, seja ela clássica ou popular?

Eu não conheço muito a música brasileira, mas estou ansiosa para explorá-la. Tenho escutado alguns artistas brasileiros, como Tom Jobim e João Gilberto, e adoro suas gravações. E todo mundo conhece “Garota de Ipanema”, é demais! Eu também gosto de samba e adoraria ao menos uma vez assistir ao Carnaval.

Trata-se de um fato grandes cantores e cantoras de ópera vir ao Brasil apenas após o ápice de suas carreiras. Quais são seus planos para nós?Eu adoraria cantar no Brasil. Infelizmente, tenho uma agenda muito carrega, mas espero em breve poder cantar por aí.

Foto: Anna Netrebko com seu assessor de imprensa, preparando-se para mais uma entrevista coletiva.

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

04 dezembro 2006

"Para falar de música"

João Sampaio, do Estado de São Paulo, agora pode também ser lido na "blogosfera".

Para quem me conhece um pouco ou leu, ainda que por cima, minha "biografia", já deve ter percebido que eu comecei minhas atividades na imprensa totalmente ao acaso (mas parece ser justamente as coisas do acaso as belas coisas da vida. Enfim, agora não é hora de falar disto... rs).
Bem, de toda esta ainda incipiente experiência uma coisa que desde o princípio me chamou a atenção foi a generosidade com que fui recebido por muitas pessoas - hoje "colegas de trabalho" - há muito mais tempo na labuta, com uma grande experiência, domínio de texto, contatos, etc.

Assim foi também com João Sampaio, que depois de alguns encontros rapsódicos, passei a travar maior contato a partir do Festival Amazonas de Ópera do ano passado. A partir de então, de fato concretizei minha admiração pela pessoa por detrás dos textos que escrevia: jovem, independente, grande amante da música, da ópera, de Verdi, de "Don Carlo"...

Nos encontramos poucas vezes, em geral, nos ambientes enfumaçados e ruidosos das ante-salas de teatros e afins. Mas não há uma única vez em que não engatemos uma conversa menos que interessante. E creio que agora um gostinho destes bate-papos poderão ser compartilhados por todos a partir do blog que João Sampaio começou a editar, o "Para falar de música", cujos posts iniciais já dão uma pequena idéia do que são estas conversas com este grande sujeito. Se você gosta de música, vá, veja, leia e coloque este blog nos "Favoritos" de seu navegador. Eu já coloquei...