Desde finais do século XIX a arte do ocidente tem se aproximado, ainda que de forma tímida, da cultura oriental. Na música, isto pode ser percebido por meio de pequenas referências orientais em meio às práticas já tradicionais na Europa: ora é uma escala musical que evoca novas sonoridades (como em Debussy, por exemplo), ora são canções com poesia oriental traduzidas para os mais diferentes vernáculos (como Mahler e Zemlinsky). Mas, apesar de tudo, trata-se de uma visão bastante restrita de oriente, míope, na qual diferentes tradições são freqüentemente entendidas de forma indiscriminada e a presença da sonoridade oriental limita-se a um mero exotismo.
Somente a partir do século XX, mais precisamente após sua segunda metade, é que o oriente passa a ser melhor estudado pela antropologia ocidental. É quando o próprio ocidente atravessa a zona de turbulência de suas próprias revoluções – políticas, culturais, sexuais, etc. – é que a cultura indiana passa a ser conhecida em todo seu esplendor pelo oriente. É somente então que sua música passa a ser ouvida neste lado do mundo, que ainda hoje insiste em ouvi-la como entretenimento e diversão, alienado de sua razão necessariamente religiosa, ritualística e espiritual de ser.
Introduzir de forma fácil e agradável o ouvinte ocidental ao universo todo próprio da música indiana é o principal mérito do livro “A música clássica da Índia”, escrito pelo brasileiro Alberto Marsicano. Músico, poeta e tradutor, Marsicano constrói a narrativa deste livro a partir de sua própria experiência com a música indiana na ocasião em que estudou na Universidade de Benares. Nesta cidade ao norte da Índia, banhada pelas sagradas águas do rio Ganges, o autor teve aulas com importantes músicos, tais como Krishna Chakravarty e Pandit Ravi Shankar (que ficou muito conhecido no ocidente a partir de seu relacionamento com o beatle George Harrison).
Menos que um tratado sobre música indiana, o livro é sim um convite àqueles que nada sabem sobre a cultura indiana como um todo, e por isto pode frustrar as expectativas dos já iniciados. Em seu propósito de explicar o complexo sistema religioso e cultural que sustenta a música tradicional indiana, Marsicano pontua seu texto com pequenas citações e estórias oriundas deste povo que vive imerso num estado de profunda espiritualidade.
À parte a contextualização cultural de sua música, o autor também se detém na explicação técnica de aspectos da teoria que fundamentam a música indiana à luz da linguagem ocidental. Esta proposta se mostra especialmente interessante quando Marsicano traça paralelos entre o pensamento musical da Grécia da Antigüidade com a tradição indiana.
Porém a obra não se limita à explicação literária: o livro é acompanhado por um CD no qual o próprio Marsicano toca ao sitar alguns ragas, um dos principais gêneros de música indiana, acompanhado pela tabla de Edgar Bueno. Complementa ainda o CD pequenas “ocidentalizações”, tais como música de compositores europeus, como Debussy e Satie, ao som do singular instrumentarium indiano.
Foto: encontro entre o violinista Yehudi Menuhin com Pandit Ravi Shankar.Serviço: “A música clássica da Índia”, de Alberto Marsicano.
Editora Perspectiva, 113 págs. + CD, R$ 36.
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[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]
2 comentários:
hj meu blog faz cinco anos, gostaria q fosse lá comemorar comigo. o post é sobre a ópera albert herring. beijos, pedrita
Muito bom o post! E engraçadíssimo o "Sobre o autor [ou quase isto]", ainda mais porque esconde de fato e não é um modo bonito de afirmar falta de qualificação.
A propósito do post, montei um blog para falar de polirritmia, konnakol, etc. Se tiver interesse, confira:
www.takadime.com
Em um post, coloquei um áudio no qual fiz uma polirritmia (um exercício só) de 5 com 7:
http://blog.takadime.com/treinos/ciclo-de-35-pulsos-7-contra-5/
Abraço!!!!!!!
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