30 maio 2010

Música clássica e eu

Tempos atrás, publiquei neste mesmo blog uma tradução de minha lavra do poema L. Beethoven, half-back, de Charles Bukowski (foto), escritor que apesar de não me sentir apaixonadamente ligado, não nego qu'eu goste muito. Pois bem, nas andanças da vida, eis que me pego meio que hipnotizado por outro de seus "poemas musicais", desta vez uma versão deliciosamente vira-lata do An die Musik (ou À música) escrito por Franz von Schober e musicado em forma de lied por Franz Schubert. Trata-se de Classical music and me, cuja modesta tradução segue abaixo. E você? Lembra-se da primeira vez que foi fisgado pela música clássica?

Música clássica e eu
por Chales Bukowski
(trad. Leonardo Martinelli)

Não tenho ideia como isto começou
Quando era garoto eu achava que música clássica era
pra maricas, e já adolescente sentia isto ainda mais forte.
sim, acho que tudo começou numa loja de discos
estava numa cabine ouvindo qualquer coisa que ouvia naquela época
então escutei algo da cabine ao lado
os sons pareciam muito esquisitos e incomuns.
Vi um homem deixando a cabine e
devolvendo a gravação para o atendente
fui até ao atendente e pedi aquela gravação
qu'então ele me deu
olhei para a capa.
“mas,” eu disse, “isto é música sinfônica.”
“sim,” disse o atendente
peguei a gravação, levei pra minha cabine e a toquei.
Jamais tinha escutado tal música.
infelizmente, não me lembro mais que maravilhosa peça de música era
comprei a gravação
eu tinha uma vitrola em meu quarto
escutei o disco até furar
tinha sido fisgado
então achei uma loja de discos usados
onde descobri que poderia
dar 3 álbuns e voltar com dois
eu era um duro, mas grande parte de minha grana ia para vinho e música clássica.
adorava misturar os dois.
eu fiz toda aquela loja de discos usados.
meu gostos eram estranhos.
Gostava de Beethoven, mas prefiria Brahms e Tchaikovski.
Já Borodin não rolava.
Chopin era bom apenas em certos momentos.
Mozart era bom apenas quando me sentia bem e raramente me sentia assim.
Smetana achava óbvio e Sibelius era impressionante.
Ives era muito acomodado.
Goldmark, achava, era muito subestimado.
Wagner era um miraculoso rugido de energia escura.
Haydn era amor libertado em forma de som.
Haendel criou coisas que pegam sua cabeça e a levanta até o teto.
Eric Coates era inacreditavelmente bonito e astuto.
e se você ouvisse Bach tempo o suficiente você jamais ira querer ouvir qualquer outro.
e tinha ainda uma dúzia deles…
eu ficava pigando de cidade em cidade, e mudar com uma vitrola e os discos era impossível
então comecei a ouvir rádio e a catar aquilo que conseguia
o problema era que no rádio só tocava sempre apenas as mais conhecidas
eu ouvia tanto que podia prever cada nota antes que elas chegassem.
mas a parte boa é que, naqueles tempos, eu ouvia música nova que nunca tinha ouvido antes, de compositores que nunca tinha ouvido ou lido sobre.
ficava surpreso com a quantidade de compositores desconhecidos, ao menos pra mim, que conseguiam produzir obras assombrosas e comoventes.
obras que jamais ouviria novamente
continuei ouvindo música clássica no rádio por décadas
e estou escutando a Nona de Mahler enquanto escrevo isto
Mahler foi sempre dos meus favoritos
por mais que as ouças, é impossível ouvir suas obras sem se cansar delas.
passaram-se as mulheres, passaram-se os empregos, passaram-se as más épocas e as boas épocas, passaram-se os mortos, passaram-se tudo, dentro e fora dos hospitais, dentro e fora do amor, passaram-se as décadas que se foram tão rápido. foram muitas as noites ouvindo música clássica no rádio
quase que todas as noites.
eu queria me lembrar do nome da primeira peça que ouvi naquela cabine, mas isto me escapa. por algum estranho motivo eu me lembro do regente: Eugene Ormandy.
agora Mahler está na sala comigo e os calafrios percorrem meus braços, alcançando minha nuca…
tudo é tão inacreditavelmente esplêndido, esplêndido!
e olhe que eu não sei ler uma só nota musical.
Mas eu achei uma parte do mundo como nenhuma outra parte do mundo.
que deu sentido à minha vida, me ajudando a ficar aqui.

24 maio 2010

“Sátyra” orfeônica

Está no ar no site da Revista Concerto o texto “Sátyra” orfeônica, resenha sobre a montagem de Rodolfo García Vázquez (da companhia de teatro Os Satyros), da ópera Orfeu e Eurídice, de Glück, levado ao palco do Teatro São Pedro, em São Paulo. Acesse: www.concerto.com.br