Apesar de gostar de música clássica, o escritor Charles Bukowski não perdoava ninguém.
Anos atrás, em meu début na mídia impressa com o artigo "Jovens Compositores no Brasil" (Revista Concerto, No. 81, Jan/Fev 2003), citei uma passagem para mim muito significativa do escritor Charles Bukowski. "Jamais se é um escritor: a gente tem de se tornar um toda vez que escreve". Apenas quem diariamente lida com a criatividade e a inventividade pode saber o que uma frase como esta significa, e no momento Buk resumiu todo um sentimento que encontrei ressonância em muitos outros colegas.
Mas a questão é quem diabos é Charles Bukowski (ou Buk, para os íntimos)?
Nascido em 1920 em Andernach, na Alemanha, aos três anos mudou-se com sua família para os Estados Unidos, onde viria conhecer o lado nada glamouroso do American way of life (que o matou em 1994). Empregos indigentes, facínoras, prostitutas, pensões baratas, porres e brigas são temas nada agradáveis, mas que uma vez presente no dia-a-dia de Bukowski, farão parte de sua prosa e poesia.
Com vários de seus livros traduzidos para o português (e editados no Brasil), é constante a referência a compositores e à música clássica em sua cáustica escrita. Num mundo miserável material e espiritualmente, a música é a única chama capaz de clarear, um pouco, a densa escuridão das trevas cotidiana.
Mas se engana quem achar que Bukowski trata a música clássica como algo sagrado. Ela é apenas um elemento bem-vindo, sobre o qual talvez exista algo mais elevado a se pensar, mas que a ressaca impede de desenvolver. Em Bukowski os grandes compositores são freqüentemente reduzidos à meras caricaturas.
No livro de poemas "The days run away like wild horses over the hills" (Ecco, 1969), Buk faz diversas referências à música e à alguns compositores, em poemas como "a night of Mozart", "to hell with Robert Schumann" e o non-sense (e divertido) "L. Beethoven, half-back", que segue abaixo numa tradução feita especialmente para celebrar o outro lado da outra música. Have fun!
L. Beethoven, half-back*
por Chales Bukowski
(trad. Leonardo Martinelli)
ele apareceu do meio do time;
Ludwig V. Beethoven, bloqueando
o meio de campo. ele estava realmente
estragado. mas ele bebe cerveja
e toca piano a noite toda.
Schiller, seu aloprado, ele
disse. deixe as mulheres em paz.
as mulheres serão sempre as
mesmas. não esquenta, quando você
precisar de uma, ela estará lá.
e Tchaikovsky, ele disse,
tome algumas vitaminas. eu não
ligo que você é uma bicha:
apenas fique longe
de mim. este é o problema
com todos vocês, caras:
vocês são muito
pálidos!
eu tomei um encontrão do G. B. Shaw
e caí perto da linha final;
Beethoven tirou do lance 3 caras,
e quando eu passei
ele disse, eu descolei
duas minas para hoje de noite
não machuque
nada
que você vá precisar
mais tarde...
Eu disparei no campo
cruzando as jardas
como um maluco. B. estava
estudando harmonia, mas
eu duvido se ele consegue
mesmo
fazer isto. ele é apenas
um alemão
gordo e cervejeiro
* Todo o poema está ambientado numa partida de futebol americano. "Half-back" é o nome da posição do jogador que fica na frete dos "fullbacks" e atrás dos "forwards". Poderia ser traduzido como "meio-campo", mas preferi manter o original em inglês.
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