09 março 2008

Temporada 2008: o começo em diferentes propostas e novos caminhos

Percorrer novos caminhos (literal ou metaforicamente) para dar continuidade ao sonho do deslumbre musical.

Como é de conhecimento de todos, a temporada de concertos brasileira começa na prática, neste mês de março, apesar de alguns poucos eventos servirem como um pequeno refresco para a estiagem musical que nos aflige até que os calores do carnaval passem.

Para quem está sediado na capital paulistana, é natural que o início dos concertos da Osesp funcione como marco de uma nova safra de música. E, neste sentido, este concerto de abertura não poderia ser mais simbólico, ao programar a estupenda Sinfonia No. 2, “Ressurreição”, de Gustav Mahler. Simbólico pela própria idéia de ressureição, renovação, reinício e ciclicidade que não apenas a Sinfonia No. 2 de Mahler sugere, mas toda sua obra. Simbólica porque, nove anos depois de sua inauguração, a Sala São Paulo volta a ser o palco desta majestosa obra. Simbólica porque a própria orquestra segue seu rumo e ciclos, preparando-se para mais uma temporada.

Muitas coisas mudaram e passaram pela orquestra de John Neschling desde então. Se anteriormente o “Projeto Osesp” tinha lá sua fragilidade, hoje ele detém considerável robustez a partir da blindagem política realizada pelo corpo que a gerencia institucionalmente (afinal, ter um ex-presidente da República como seu presidente e protetor e um verdadeiro corpo ministerial como seus guardiões é algo que se mostrou de suma relevância nos últimos tempos). Teria a nau osespiana resistido a tamanhas intempéries sem esta blindagem?

Atualmente trata-se de uma orquestra não só mais madura, com significativa melhoria de sonoridade em todos seus naipes (apesar de deslizes eventuais), mas também uma orquestra mais brasileira. Anos atrás talvez fosse mais fácil fazer um ensaio em russo do que em português. Hoje, os russos se naturalizaram e mais brasileiros integram seu efetivo.

É importante notar que “na outra Ressureição”, de anos atrás, muitos dos músicos que hoje estão nas estantes da Osesp estavam em sua platéia (ou na portaria procurando por um ingresso sobrando). Ajustes a fazer sempre existirão, e caberá às forças envolvidas na base de sustentação da orquestra (maestro, músicos, patrocinadores, público, etc.) planejar a trajetória dos próximos anos.

Mas e o concerto da “Ressurreição”? Bem, as críticas já pipocaram aqui e acolá imprensa afora. Peça maravilhosa, corais (Sinfônica e Paulistano) muito bem preparados, Nathalie Stutzmann talvez melhor do que nunca, Heidi Murphy como uma voz que se deseja ouvir mais vezes por aqui, deslizes nos metais e ótima sonoridade de todo o conjunto orquestral. Neschling, mais uma vez, se saindo muito bem à frente de seus vienenses do Romantismo Tardio (uma já declarada predileção sua).

Mas quando se testemunha a constância de um bom patamar de interpretação musical em meio a um ambiente musical heterogêneo como o brasileiro, o desafio da crítica é, por um lado, se renovar na abordagem dos grandes espetáculos e, por outro, estabelecer uma nova dinâmica para a numerosa gama de espetáculos à nossa disposição.

Pois bem, desafio topado. Se na quinta-feira a idéia foi a pompa e circunstância da Sala São Paulo, com uma excelente orquestra, elenco internacional e uma obra sinfônica de enormes proporções, para o último sábado a proposta era algo diferente.

Vinhedo, 70km da capital paulista. Um mosteiro beneditino em meio ao frescor da mata interiorana, ao invés da sala de concerto na incandescente Cracolância. Ao invés de Mahler, Haydn. Da Ressureição à morte, Daquele que iria ressurgir no terceiro dia.

Tratou-se do início da temporada da série Música no Mosteiro, ocasião na qual o cravista Edmundo Hora (com a participação do tenor Sidnei Alferes) inaugurou seu novo fortepiano (instrumento que precedeu o piano moderno) com a emocionante “As sete últimas palavras de nosso Salvador na Cruz”, que Joseph Haydn compôs para o ofício das trevas na catedral de Cádiz.

Rumo ao interior!, cheguei a escrever em meu depoimento na edição da Revista Concerto passada (Jan/Fev 2008). E este rumo pode lhe oferecer gratas surpresas, como o som único de um instrumento, tal como é o caso do fortepiano e toda a magia de presenciar uma igreja em plenas trevas, iluminada apenas pelo clarão dos acordes haydnianos.

Renovar é preciso e, além daquilo o que é “líquido e certo”, é necessário irmos além. Nem sempre precisamos percorrer alguns quilômetros sobre a estrada escura para nos depararmos com uma grata surpresa, pois não raro a novidade está aí, do ladinho de nós.


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