21 abril 2008

Ariadne auf Manaus

[Resenha da cobertura XII FAO, Manaus, 2008]

Prólogo

Uma ópera dentro da ópera. Música que antes da ópera, não é música de ópera, mas música além-ópera. E dentro da ópera, abre-se a janela para uma outra sub-ópera. Cantores que, antes de cantar a ópera dentro da ópera, são um híbrido artístico, um “não-cantor-ator”. Confuso? Talvez, mas é esta complexidade estética que faz da ópera “Ariadne em Naxos”, de Richard Strauss, uma obra singular no repertório lírico mundial. Multireferencial por natureza, a obra encerra vários níveis metalingüísticos, inclusive do próprio compositor, Strauss, que se auto projeta no personagem Compositor. Será que tudo o que ouvimos é Strauss ou também há um “não-Strauss”, cuja música atende à demanda destes níveis metalingüísticos?

Seja lá qual for a resposta, o fato é que a encenação de “Ariadne” demanda um grande esforço criativo para enfatizar estes diferentes níveis narrativos, algo que a montagem do XII FAO de fato conseguiu concretizar, e que o público paulistano terá a oportunidade de conferir na temporada do Theatro Municipal, no mês de agosto.

Sob a direção cênica de Caetano Vilela (que também assina a concepção e a iluminação da montagem) a “Ariadne” de Manaus apostou no antagonismo visual para realçar o embate entre o artístico e o vulgar, entre o divino e mundano, auxiliados pelo fundamental trabalho de figurino de Olintho Malaquias e pelo cenário de Renato Theobaldo e Roberto Rolnik. Mas é importante notar que nem apenas de contrastes pautou-se a montagem de Vilela, tal como fica claro no dueto da segunda parte entre o personagem Tenor com a Primadonna, no qual o uso de cadeiras de rodas e muletas auxiliam o discurso do libreto de Hugo von Hofmannsthal.

Na parte musical, foi notável o desempenho da Amazonas Filarmônica, sob a fluída regência de Luiz Fernando Malheiro. Certamente trata-se de um conjunto com potenciais múltiplos, mas por ora parece evidente que o fosso do teatro é o lugar de onde advém o que eles fazem de melhor.

A Ópera

No que tange ao elenco vocal, a “Ariadne” manauara foi marcada por contrastes. De um lado, vozes inadequadas ao lado de desempenhos deslumbrantes. Neste sentido, deslumbramento é a palavra que melhor define o impacto da participação da soprano Celine Imbert, no papel do Compositor. Detentora de uma voz reconhecidamente bela, Celine também imprimiu ao seu personagem uma bem definida caracterização dramática.

Também muito boa foi a participação do tenor Geilson Santos, que bem dosou comicidade e musicalidade como o Professor de Dança. Da mesma forma foi bem desenvolvido o papel de Primadonna pela soprano Virginia Correa Dupuy, que desempenhou personagens diferentes a cada parte do espetáculo (isto é, a Primadonna antes e durante a “ópera” dentro da “Ariadne”), aliados a um desempenho vocal eficiente. E nada como um dia após o outro: Michael Hendrick enfim mostrou suas possibilidades musicais, além de suas virtudes cênicas, no papel do Tenor.

Dos conjuntos vocais, destaca-se a coesão tímbrica e dinâmica das cantoras Gabriela Pacce, Elaine Martorano e Edna d’Oliveira. Sejam ninfas, damas ou valquírias – não importa – com este grupo a beleza (latu sensu) estará sempre assegurada. Muito eficiente cenicamente, mas ainda por ter uma melhor presença dinâmica, foi a participação do conjunto masculino, integrado por Leonardo Pace, Thiago Soares, Lucas Debevec-Mayer e Flávio Leite, que travestidos de astros do rock, por fim também cativaram a platéia.

Se por um lado o elenco vocal mostrou-se majoritariamente belo, ou no mínimo muito eficiente, pelo outro seu calcanhar de Aquiles concentrou-se, numa perna, pelo Mestre de Música de Francisco Frias, e na outra, pela Zerbinetta de Rosana Schiavi, que por motivos diversos, não se mostraram adequados às exigências de seus personagens, conferindo-os mais uma “caricaturização” do que uma caracterização dramática.

A voz do diretor

Só o tempo dirá se Manaus inaugura uma nova fase da direção cênica operística brasileira, mas o fato é que neste ano o programa dos espetáculos traz como novidade um texto do diretor cênico com as intenções e idéias de seu trabalho, ao lado das notas do programa e da sinopse da história.

Numa época na qual a realização cênica é cada vez mais valorizada, a proposta não deixa de ser interessante, já que não raro as montagens podem chegar a um nível de abstração ou de referências não relacionadas à trama que, por vezes, fazem destes espetáculos verdadeiros enigmas ao grande público, que espera da crítica a “explicação” daquilo que se mostrou ininteligível.

No caso da “Ariadne” de Manaus, a conotação política reclamada por Vilela* mostra-se cenicamente tênue, quiçá dispensável. Mas mesmo assim, a possibilidade de tornar ainda mais pública estas intenções, estabelecendo um diálogo ainda mais forte com o público, revela-se algo promissor para o debate estético e a fruição artística das óperas.

* Poucas horas depois da publicação deste texto, o diretor Caetano Vilela publicou em seu blog uma resposta sobre as observações aqui realizadas. Clique aqui ou acesse http://caetanovilela.blogspot.com

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