07 março 2006

Entrevista com o violonista Paulo Porto Alegre (continuação da matéira sobre Radamés Gnatalli)

Em virtude de seus cem anos de nascimento, janeiro foi um mês em que a obra Radamés Gnatalli foi explorada maciçamente (por assim dizer) através da mídia e por concertos. Passada a enxurrada, o Sesc Ipiranga de São Paulo continua uma série mensal que até maio (ver quadro) apresentará uma significativa parcela da obra de câmara de Gnatalli. O curador Paulo Porto Alegre – compositor, violonista e ex-aluno de Gnatalli – fala sobre sua relação com o mestre e sua música.

Qual foi a maior lição que você tirou dos anos de aprendizado com Gnatalli?

Foi a que não existe diferença entre música popular e música clássica. Isto é uma coisa da cabeça das pessoas. Eu mesmo, que comecei tocando música popular, tinha esta divisão. E foi o Gnatalli quem me mostrou que é possível fazer os dois tipos de música, sem prejuízo nenhum para os dois lados. Pelo contrário!

Isto é uma característica da música brasileira ou podemos falar desta mistura em outros países?

Internacionalmente, existiram no século XIX as escolas nacionalistas de composição, que utilizaram quase que exclusivamente sua cultura folclórica, apenas se aproximando de um tipo de música “mista”. Mas o passo decisivo foi Gnatalli quem deu, que se diferencia dos demais ao utilizar a música popular urbana (como o choro, o samba e a bossa-nova) como fonte de inspiração e não a música folclórica. Ele foi o único que trabalhou isto seriamente.

Como você analisa a obra de Gnatalli no contexto atual?

Infelizmente a obra dele é ainda desconhecida. Por um lado, sempre existiu um preconceito por parte dos músicos devido ao fato de sua música clássica ser tão popular. Pelo outro, ele sempre foi um sujeito meio desleixado, que nunca batalhou a divulgação e a publicação de sua obra. Por tudo isto, acredito que sua obra ainda não ocupa o devido patamar de sua grandeza musical.

Apesar de sua grande importância para a música popular brasileira, seu nome praticamente não aparece mais neste meio. O que poderia explicar este desaparecimento?

Não é que ele tenha sumido da música popular. Na verdade ele foi absorvido por ela. Se não fosse por ele tudo o que se faz na MPB de hoje seria diferente. Foi ele quem colocou ritmo de samba na orquestra e inventou uma série de outras coisas muito utilizadas hoje em dia. Isto sem contar a quantidade de cantores e intérpretes – como Orlando Silva, Chico Alves e Silvio Caldas – que têm uma dívida enorme com ele.
Entretanto, acho que o Gnatalli foi mesmo esquecido, inclusive por muitos que trabalharam e aprenderam com ele. Pouquíssimos intérpretes – tanto de música popular como de clássica – de fato se mantiveram fiéis a ele e à sua música, tocando periodicamente sua obra, não apenas num ano de comemoração como este.

Por natureza, o violão se encontra na fronteira entre o popular e o clássico. Isto necessariamente exige do violonista um preparo diferenciado dos músicos que se dedicam apenas ao clássico ou ao popular?

Acho que não. Na verdade tenho muitos colegas de violão clássico que não sabem nada popular, e vice-versa. O Gnatalli aproximou os dois mundos, mas nunca os dois lados entenderam isto muito bem, somente aqueles músicos com uma cabeça mais aberta. Acho que nós, violonistas clássicos, deveríamos ter um pouco de vergonha na cara e reconhecer nosso débito com a música popular, que sempre teve o violão como um instrumento nobre.

A questão da identidade nacional, muito presente na composição clássica brasileira é, em geral, circunscrita à influência de temas e ritmos populares. É possível pensar esta identidade por outros caminhos?

Penso que existe uma coisa no Brasil que se chamada cultura popular, que uma das mais fortes do mundo. Esta cultura engloba tudo: música, folclore, comida, dança, etc. Coisas que você reconhece como brasileiras. A música brasileira não está em seus estereótipos musicais – nas sincopas, nos acordes, nos ritmos – mas sim na cultura como um todo. Dá pra fazer música brasileira atonal (tal como Hermeto Pascal faz) ou outras linguagens que por vezes estão bem distantes das práticas populares feitas na rua. Acima de tudo, trata-se de um sentimento, que nos toca e nos é reconhecível.

2 comentários:

Anônimo disse...

parabens pelo blog...
Na musica country VIRGINIA DE MAURO a LULLY de BETO CARRERO vem fazendo o maior sucesso com seu CD MUNDO ENCANTADO em homenagem ao Parque Temático em PENHA/SC. Asssistam no YOUTUBE sessão TRAPINHASTUBE, musicas como: CAVALEIRO DA VITÓRIA, MEU PADRINHO BETO CARRERO, ENTRE OUTRAS...
é o sonho eterno de BETO CARRERO e a mão de DEUS.

Marcello Tibiriçá Toscano disse...

Acredito ser de suma importãncia o trabalho que Paulo Porto Alegre realiza, deixando vivo a obra e a memória do seu Mestre Radamés Gnatalli. Músicos por todo o Brasil, devem por amor à música, realizar o mesmo trabalho com outros compositores. Vai aqui uma nota especial para o CD Retratos de Radamés, trabalho impecável realizado por Paulo Porto Alegre com o Núcleo Hespérides. Documento importantíssimo para a manutenção da cultura e da obra de Radamés Gantalli. Parabéns Paulo!!!