19 novembro 2005

Georges Fauré

Ou "o que esperar de uma pessoa que é anunciada como um compositor?"

Não, não escrevi errado. É Georges Fauré e não Gabriel Fauré. Na verdade, tudo indica que há um parentesco, mas a verdade é que falta provas que confirmem isto por um motivo muito simples: o compositor Georges Fauré não existe.

Na verdade, ele é o personagem vivido pelo ator Gérard Depardieu no filme Green Card (que no Brasil, pra variar, ganhou o meloso subtítulo de "Passaporte para o Amor"), que re-assisti hoje na TV depois de muitos anos.

Junto com a horticulturalista Brontë Mitchell (vivida por Andie MacDowell), ambos entrelaçam suas vidas num casamento por conveniência: ele para conseguir o green card e ela para conseguir habitar um lindo apê com uma estufa num edifício que não permite solteiros.

O tiro sai pelo gatilhos e os ambos se vêem forçados a simular uma vida a dois para os agentes federais, enquanto que no plano particular Brontë faz questão de reforçar seu status de solteirona independente.

Georges é um estereótipo do homem francês e um músico que abandonou sua profissão.

Em dada altura do filme ocorre a cena que justifica a existência deste post: numa festa num apê da high society, as supostas habilidades musicais de Georges ao piano são requisitadas pela anfitriã, que ainda pondera que "It isn't often we have a Fauré in the house."

Georges-Gérard se senta ao piano e fica lá, imóvel. A expectativa é grande: do lado do expectador, em nenhum momento ficou provado que Georges toca piano ou mesmo que seja músico. Dentro da cena, fica a espera de que se rompa um silêncio constrangedor. E de repente...

Clusters em fortississimo, glissandos caóticos, acordes brutais pelos braços de um pianista que parecer estar em possessão demoníca. Um sobresalto ocorre a todos. O vaso que está em cima do Steinway treme. Um sujeito bonachão que dorme numa bergé acorda assustado. Apenas uma jovem e um velhinho se encontram hipnoticamente fascinados pela cena insólita que estão presenciando. E com uma pontiaguda nota, Georges encerra sua furiosa música.

O velhinho começa aplaudir efusivamente, mas pára diante do silêncio repressor de todos os presentes. À velha anfitriã que o fita, Georges diz timidamente "It's not Mozart...". Com um olhar condescendente, responde apenas "I know".

O interessante desta cena é a pergunta, que no olhar da anfitriã se torna a própria resposta: hoje em dia, o que esperar de uma pessoa que é anunciada como um compositor clássico?

Para um ouvido mais incaulto, Georges se passaria por charlatão, se não fosse o fato dele em seguida atacar com uma música "de verdade", com acordes maiores, menores, progressões e cadências.

A verdade é que, exceto apenas por seus familiares e por seus pares, nunca se sabe o que pode sair das mãos ou da mente de um "compositor". Esta figura tão estranha, quando anunciada fora de seu contexto profissional, torna-se uma verdadeira incógnita.

Se anunciar compositor fora de seu habitat é como você se anunciar um ufólogo: todo mundo levemente já ouviu falar disto, mas ninguém realmente sabe o que isto pode implicar. Seja para seus ouvidos, seja para o vaso que está em cima do Steinway.

Um comentário:

Anônimo disse...

adorei a sua visão sobre o filme, e olha que só entrei aqui pra saber da múscia do Mozart no filme..

valeu!