07 maio 2006

Orfeu à espera da redenção

Em abril passado o público paulistano se viu na inusitada situação de, num mesmo mês, conferir duas montagens da ópera “Orfeo”, que escrita em 1607 por Claudio Monteverdi.

Levadas ao palco pelo Núcleo de Música Antiga da ECA-USP, e mais recentemente pelo Coral Paulistano, ambas versões assemelham-se pelo suposto resgate do texto original, cada qual à sua maneira e com níveis de competência musical abissais.

O “Orfeo” da USP não propôs espetáculo operístico, mas sim um “estúdio” acadêmico no qual a ausência de apelo cênico seria compensada pelo trabalho musical, que incluía uma série de instrumentos construídos segundo os padrões do século XVII. Entretanto, o que se ouviu foi um elenco vocal mal ensaiado e de qualidade duvidosa em descompasso com um conjunto instrumental que ainda tateava com instrumentos e técnicas pouco familiares.

Já a montagem do Coral Paulistano, sob a regência de Mara Campos, reservou bons momentos musicais, com um elenco solista competente do qual destacaram-se as sopranos Edna D’Oliveira e Rosemeire Moreira. A cargo do papel-título, Luciano Botelho desempenhou sua parte com modesta regularidade. Porém, na ária Possente spirto o tenor não conseguiu superar a intrincada ornamentação prevista para este momento mágico da ópera. O grande destaque desta montagem fica mesmo para a bela cenografia de Naum Alves de Souza e a interessante direção de João Malatian.

Entretanto, o problema comum às duas montagens foi a ausência de um trabalho realmente cuidadoso no plano da instrumentação e da ornamentação. Como a partitura original não subsidia o músico atual das informações necessárias, “recompor” a trama instrumental é algo de suma importância para qualquer montagem desta ópera. A ausência de um orquestrador na ficha técnica destes espetáculos é um indicador de que – guardada as devidas proporções – o discurso musical foi não realizado da forma necessária e que as importantes ornamentações, quando presentes, foram realizadas de forma apenas trivial.

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

2 comentários:

Anônimo disse...

crítica superficial que demonstra que o autor nao tem familiaridade com a interpretacao historicamente orientada

Monteverdi com orquestrador?
Ora, poupe-me!

Anônimo disse...

Sobre o comentário anterior, creio que uma boa resposta é dada por Nikolaus Harnoncourt no livro "O Diálogo Musical: Monteverdi, Bach e Mozart" (Jorge Zahar Editor), em especial os capítulos "Monteverdi hoje" (pp. 31-32) e "Obra e arranjo: o papel dos instrumentos" (pp. 33-39). Faço as palavras dele as minhas.