07 maio 2006

Festival Amazonas de Ópera encerra a primeira leva de apresentações

A principal magia de um festival de música – seja ele heterogêneo como o de Campos do Jordão ou temático como o FAO – é de, em um curto espaço de tempo, poder comparar as diversas performances de um mesmo artista, ou mesmo repetidas apresentações de um mesmo espetáculo. Neste caso, trata-se de uma oportunidade única de conferir o amadurecimento de grandes óperas muitas vezes realizadas com um prazo de pré-produção extremamente curto.

Tal foi o caso de “Otello”, de Verdi, aqui resenhado na semana passada. A reportagem compareceu à estréia da produção, que apesar da apreciação majoritariamente positiva, teve alguns de seus calcanhares de Aquiles apontados em meio a uma performance musicalmente regular. Porém, quem compareceu a segunda récita da ópera, testemunhou um espetáculo diferente, musicalmente empolgante no qual os grandes problemas foram amenizados (tal como a performance do tenor Denis O’Neill) e outros, apesar de persistirem (tal como o solo de contrabaixos após a “Ave Maria”) perderam importância diante da fluidez que se estabeleceu no palco.

É este amadurecimento que se espera ter ocorrido com o “Otello” de Rossini, que encontra em Manaus sua estréia brasileira. Sob a cautelosa regência do jovem maestro Marcelo de Jesus, esta produção tinha além de todos os desafios de praxe a difícil tarefa de dar vida ao estranho libreto de Berio di Salsa – do qual mal se reconhece a obra de Shakespeare – e à escritura rossiniana, que apesar de bela e encantadora, nem sempre corresponde às necessidades dos ouvidos modernos em torno de uma música trágica.

Assim como no “Otello” de Verdi, o destaque do elenco vocal não fica para o papel-título. Nesta ópera de Rossini, Desdêmona sobressai como protagonista, muito bem desempenhada pela soprano Gabriella Pace. Merece também uma menção especial o tenor Carlos Ullan, a cargo de um difícil Rodrigo. Com problemas de saúde às vésperas da estréia, ficou claro que a ocasião não foi das melhores para o tenor Paulo Mandarino, que interpretou Otello.

No entanto, a parte cenográfica – a cargo da mesma equipe da montagem verdiana – de novo ficou a dever em criatividade e qualidade artística (apenas os figurinos merecem uma menção especial).

Nesta montagem, a direção cênica de Marcelo Lombardero jogou contra as intenções gerais do enredo: se a virtual ausência de affetti nesta partitura de Rossini é em si um problema para que a dimensão trágica da narrativa venha à tona, a trivialidade das movimentações cênicas aliada a uma caracterização semi-cômica de certos personagens afastou ainda mais (quiçá propositalmente) a história de sua vocação dramática.

Para as óperas que em maio ganharão o palco do festival cresce o anseio em torno de uma real simbiose entre a parte musical – esta, via de regra, muito boa – com a parte cênica, que ainda não ultrapassou o status de uma mera distração visual.

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

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