O tenor Plácido Domingo faz sua homenagem à canção popular italiana.
Tendo completado 65 anos idade em janeiro deste ano, o tenor espanhol Plácido Domingo lança quatro novos álbuns nos quais ele prova que continua em boa forma ao se debruçar sobre os mais diferentes repertórios: são três óperas completas (“Parsifal” de Wagner, “Edgar”, de Puccini e “Pepita Jiménez” de Albéniz) e o delicioso “Italia, ti amo”, totalmente dedicado ao cançoneiro popular italiano: as canzoni (canzona, no singular).
Este último é o único álbum desta leva comemorativa a ser lançado no Brasil (Deutsche Grammophon, 60’35”, R$ 36 em média), no qual Domingo é acompanhamento pela Orquestra Filarmônica de Budapeste sob a regência de Eugene Kohn.
Notabilizado em escala mundial pelo espetáculo “Os Três Tenores” (ao lado do também espanhol José Carreras e do italiano Luciano Pavarotti) Domingo é detentor de uma carreira musical eclética, que além da amplitude monstruosa de seu repertório – que abrange desde os extensos dramas musical do alemão Richard Wagner à leveza musical das zarzuelas espanholas – inclui também a atividade de regente de orquestra. No álbum “Italia, ti amo”, Domingo visita a tradição musical popular italiana – fortemente ligada ao sul da Itália e à cidade Nápoles, em específico – que na era dos gramofones e do vinil projetou as vozes de cantores lendários como Fernando de Lucia, Giuseppe di Stefano, Francesco Albanese e, é claro, Enrico Caruso.
Na cultura musical italiana do século XIX – que de certa forma foi retomada ao longo do século XX – a diferença entre o que chamamos de canção popular e canção lírica sempre ocorreu de forma tênue. Por um lado, é perfeitamente possível distinguirmos uma produção “erudita”, composta por grandes nomes da história da música e voltada para os teatros de ópera, tais como Puccini e Verdi (apenas para ficarmos nos mais famosos). Pelo outro, há todo um cabedal de canções populares, das quais os nomes dos compositores nem sempre vêm à cabeça, mas cujas melodias saem, hoje, com muita facilidade da garganta de qualquer bom freqüentador de trattoria (aliás, este é um clichê que Domingo vai a todo custo evitar neste álbum).
Apesar de supostamente pertencerem a universos diferentes, a música operística italiana e a canzone têm suas raízes comuns reveladas quando analisamos sua inerente dramaticidade e seu conteúdo emocional. Não obstante, suas semelhanças musicais são acentuadas quando arranjadas em competentes transcrições orquestrais (originalmente, eram acompanhadas apenas por piano ou violão) e quando sua parte vocal está a cargo de um cantor de excelência como Domingo, que realizou um cuidadoso trabalho de prosódia no dialeto napolitano, assessorado por Simonetta Tancredi.
Porém, quem espera encontrar neste álbuns canções ultra-populares como “Santa Lucia” ou “O sole mio” pode, em princípio, se decepcionar, já que na palavras do próprio Domingo, canções como esta, que ele considera simplórias, “é melhor deixar para os pescadores e para os garçons de pizzarias”. Entretanto, este contestável trabalho de seleção não impediu que popularíssimo “Mamma”, de Cesare Andrea Bixio, estivesse presente nesta declaração de amor à cultura popular italiana.
[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]
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