Diz o senso comum que o Brasil é uma terra de grandes pianistas, idéia corroborada pelos grandes nomes do passado e do presente que, nascidos em terra brasilis, fizeram fama e carreira mundo afora. Mas, paradoxalmente, da mesma forma que por muito tempo nossos melhores grãos de café eram raramente apreciados pelo consumidor nacional, a maioria de nossos melhores pianistas ainda hoje estão destinados à fruição do público estrangeiro. Com sorte, provamos um pouco de sua arte quando eles se apresentam acompanhados por orquestras, ou na terminologia barista, machiato, diluídos em meio a um grande conjunto instrumental. Raras são as oportunidades em que seja possível absorve-los de forma pura, apreciando sua sonoridade por meio de uma arte que se materializa apenas em peças solo.
É justamente este cenário que faz da série de recitais “Piano Solo”, que se inicia próxima segunda-feira, uma oportunidade rara para ouvir nomes consagrados do piano nacional. Com apresentações no Rio de Janeiro e
“A idéia da série está em minha cabeça há muito tempo, pois praticamente não há no Brasil uma série de especificamente de piano solo. Há muitas séries orquestrais, que de vez em quando convidam estes pianistas para concertos. É raro eles serem ouvidos no Brasil em recital solo” diz Monteiro, que além de pianista é professor deste instrumento na USP.
Foi justamente as atividades didáticas de Monteiro que fizeram ele elaborar para a série um formato praticamente único na cena clássica, fazendo com que estes recitais sejam precedidos por uma breve apresentação de jovens pianistas, todos na faixa dos vinte anos (alguns ainda realizando seus estudos). “A idéia de fazer uma abertura antes do recital tem muito a ver com meu perfil profissional, com minha preocupação com a formação dos jovens. Existem muitos talentos que se perdem inclusive por falta de oportunidades, pois se é difícil para um pianista renomado conseguir se apresentar solo, imagine para alguém que está começando”.
O formato proposto é comum na cena pop, onde os shows de grandes bandas são precedidos por aberturas de grupos iniciantes que, eventualmente, tornam-se bandas grandes, que por sua vez passam a convidar outras bandas iniciantes para abrirem seus shows, estabelecendo um círculo virtuoso que ajuda a mover a economia deste segmento. No caso da música clássica a adoção deste formato não é factível em muitos de seus tipos de espetáculos, já que a infra-estrutura de uma orquestra, ou de uma ópera, é em si grande e dispendiosa. A música de câmara é, talvez, o lugar ideal para este formato, mas mesmo assim este tipo de ação é virtualmente inexistente, dificultando ainda mais o início de carreira de um músico.
Na fogueira
Existe situação mais tensa do que subir ao palco e dar conta de todo um recital sozinho? Aparentemente não. Mas o que você acha de abrir a apresentação de seu principal mestre e mentor? Ou então tocar antes de um pianista que é considerado um dos melhores músicos da atualidade, tal como é o caso de Nelson Freire? As palavras “responsabilidade” e “honra”, precedidas por adjetivos como “grande” e “enorme” são os termos comuns que todos os jovens pianistas envolvidos no projeto utilizaram para definir seus sentimentos nestes dias que precedem suas apresentações.
Alunos do pianista Eduardo Monteiro, os jovens Leonardo Hilsdorf, Juliana D’Agostini, Cristian Budu e Érika Ribeiro terão, até o presente momento, a grande oportunidade de suas carreiras. Isto ocorre não apenas por seus nomes figurarem ao lado de músicos já consagrados, mas também pelo enorme desafio musical eles enfrentarão, já que eles escolheram para suas apresentações peças de alto nível técnico e interpretativo, que bem poderiam figurar no programa dos pianistas que estão preludiando. Não é coincidência que obras do compositor húngaro Franz Liszt – famoso pelo virtuosismo de sua escrita – estão presentes em quase todas as aberturas.
Apesar desta oportunidade de ouro, estes jovens pianistas são muito realistas quando o assunto é o desenvolvimento da carreira. “Minha vontade sempre foi poder trabalhar com música de câmara, atividade que infelizmente encontra poucas oportunidades no Brasil”, diz Érika Ribeiro, a mais experiente do grupo e que atualmente cursa mestrado como um meio adicional de sustentabilidade de carreira de musicista. A academia é um caminho que Cristian Budu também não descarta, apesar do desejo de ser concertista. Apesar dos diferentes anseios, há um objetivo comum a estes diferentes jovens, que é de fato poderem desenvolver suas carreiras e, quem sabe, terem seus recitais abertos por outros jovens pianistas.
Serviço:
> Recital de Nelson Freire, com abertura de Leonardo Hilsdorf.
Em São Paulo no dia 15 de outubro e no Rio dia 17.
> Recital de Diana Kacso, com abertura de Juliana D’Agostini.
No Rio no dia 8 de novembro e em São Paulo no dia 9.
> Recital de Cristina Ortiz, com abertura de Cristian Budu.
Em São Paulo no dia 26 de novembro e no Rio dia 29.
> Recital de Eduardo Monteiro, com abertura de Érika Ribeiro.
No Rio no dia 12 de dezembro e em São Paulo no dia 13.
Em São Paulo os recitais ocorrerão no Theatro Municipal e na Sala Promon. No Rio os recitais ocorrerão na Sala Cecília Meireles. Em ambas as cidades os recitais começam às 20:30. Os recitais têm preços diferentes por apresentação, que variam entre R$ 220 e R$ 150, sendo possível comprar o pacote com todos os concertos por R$ 400. Ingressos: Theatro Municipal de São Paulo, (11) 3222-8698 e Sala Cecília Meireles, (21) 2224-3913.
[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]
Um comentário:
Ficou ótima a matéria, obrigada.
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