Segunda-feira de manhã meu celular toca. É a Adriana, produtora da Rádio Cultura, me convidando para comentar o concerto da Osesp que eles retransmitirão desde Viena, no dia seguinte.
Topo. Afinal, um convite para ouvir (boa) música raramente deve ser dispensado, apesar de não ter muita certeza de como poderia contribuir para fruição de uma atenta audiência que há dias anseia por este momento. Penso com meus botões que já não atrapalhando já seria muito bom.
Na terça, antes de ir para a rádio, tenho aulas de orquestração para dar na faculdade. Aproveito o embalo e levo a tira-colo as partituras do "Concerto No. 4", de Rachmaninov, e de "La Mer", de Debussy. Concluo que ouvir a orquestra não apenas como "cri-crítico", mas também como músico possa ser uma contribuição mais interessante.
Tudo está tranqüilo, até que ao chegar na rádio me deparo com a energia que está no ar. Aquela energia que costuma existir quando algo de importante está prestes a acontecer: pessoas apressadas correndo de lá pra cá, distribuição de roteiros e papéis, mini-reuniões, etc.
Eu e meus companheiros de empreitada somos conduzidos ao estúdio. Do lado de cá do aquário (isto é, o vidro maciço que divide em dois o estúdio) eu, o caríssimo João Marcos Coelho, o sempre simpático Gilberto Tineti e a anfitriã Gioconda Bourdon. Do lado de lá, uma pequena multidão de técnicos, produtores e operadores se aglomeram para garantirem que tudo sairá como se planeja.
Aliás, planejamento é um palavra extremamente relativizada em situações como esta. Improvisação e capacidade de adaptação acabam sendo mais importantes. Coisas inimagináveis podem ocorrer. E invariavelmente ocorrem: cai entrada, muda depoimento de lugar, alonga o comentário aqui, corta bruscamente acolá. Coisa de equilibrista, que tem como principal guia um letreiro luminoso vermelho escrito "Gravando".
A música começa. Passa o Guarnieri. Acompanhamos o Rachmaninov com a partitura. Ouvindo já fica claro que é difícil, mas com as notinhas ali, diante de seus olhos, ele parece mesmo impossível. É possível aumentar ainda mais a admiração por Freire?
Intervalo. Um pouco de descanso e muito papo bom trocado no estúdio (ainda acho que é justamente o que é dito com os microfones desligados aquilo de mais interessante que pode ocorrer em situações como esta).
Começa o Debussy, e se os ouvidos podem enganar, a leitura da partitura mostra que tudo flui forma bela e musical. Arrepios no "Dialoque du vent et de la mer". Uma besteirinha aqui ou acolá não diminui em nada o prazer da escuta.
Vem o Ginastera, Guerra-Peixe e o Villa-Lobos. Só com o Debussy já teria bastado, mas ouvir um pouco mais não faz mal algum. Acaba o programa. Todos se cumprimentam como se tivessem lá, em Viena. E de certa forma estávamos.
Foto: jardins da Fundação Padre Anchieta, onde se localiza os estúdios da Rádio Cultura FM
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