Aparentemente, o programa em si não trazia nada de excepcional: Mozart, as célebres sinfonias 40 e 41 e o balé final da ópera “Idomeneo” como introdução ao concerto. Trata-se de sinfonias que são em si excepcionais e que por décadas foram exaustivamente gravadas pelas mais diferentes orquestras e regentes. Tamanha repetição parece ter ocultado a cor e o brilho destas obras, então escondidas por detrás do verniz sintético de instrumentos musicais acusticamente “eficientes” e nos moderníssimos equipamentos dos estúdios de gravação.
E, de repente, foi como se uma névoa se dissipasse, deixando a paisagem mais nítida e clara.
Foi esta a experiência que o grupo “Les Musiciens du Louvre” proporcionou esta semana a sua audiência no encerramento da temporada da Sociedade de Cultura Artística. Fundada em 1982 por Marc Minkowski – seu atual regente e quem conduziu o grupo nesta que é sua primeira incursão no Brasil – a orquestra francesa está inserida dentro do segmento por vezes designado como performance histórica, que desde o início de século passado tem por meta o trabalho sobre um repertório anterior ao Romantismo por meio de instrumentos e técnicas de execução historicamente orientadas, isto é, condizentes com os recursos e conceitos existentes à época de sua criação.
O movimento da performance histórica tem uma trajetória própria, cheia de controvérsias e debates. Entretanto, uma de suas questões mais fundamentais é a fronteira entre “execução” e a “interpretação”. Isto é, até que ponto deve-se seguir supostas regras de execução para, então, lançar mão de idéias e gostos individualizados, necessariamente arbitrários e injustificáveis sob o idealismo no resgate da intenção original do compositor (como se isto fosse concretamente possível e mesmo relevante)?
Nestes termos, a beleza do concerto residiu justamente na transcendência da performance histórica à condição de interpretação musical: viva, idiossincrática e emocional.
De um lado, a importância de utilizar instrumentos históricos ficou evidente no re-equilíbrio da balança tímbrica orquestral, em especial, nos instrumentos de sopros de madeiras, que ora soaram mais sutis, ora imprimiram uma nova cor aos tuttis. Por sua vez, as cordas encontraram um delicado equilíbrio, fugindo tanto da lentidão paquidérmica das orquestras tradicionais como da sonoridade asséptica de certas execuções que se norteiam por critérios históricos.
Tudo isto possibilitou ao grupo uma agilidade que foi intensamente trabalhada por Minkowski. Regendo de cor, ele não apenas acelerou a velocidade geral dos diferentes movimentos, mas também brincou de forma inteligente e emocional com elas (vide sua estupenda interpretação do segundo movimento da sinfonia 41).
Às favas se aqui ou acolá uma trompa não atacava a nota de maneira precisa ou se a afinação do oboé parecia vacilante. Num ideal de música calcado pela visceralidade da experiência artística, minúcias como estas são apenas as pequenas imperfeições que toda perfeição deve, necessariamente, trazer consigo.
[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]
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