17 dezembro 2007

Natal nos trópicos

Apesar de todo aspecto invernal associado à imagem mundial do Natal – neve, pinheirinhos, trenós e toda uma sorte de objetos que ganham conotação alienígena aqui na região dos trópicos austrais – a tradição natalina encontrou no Brasil um terreno fértil em manifestações musicais, associadas aos mais diferentes contextos culturais.

As primeiras manifestações musicais natalinas ocorridas no Brasil datam entre os séculos XVI e XVI, devido à colonização portuguesa e ao trabalho evangelizador da Companhia de Jesus. Os primeiros exemplos de música natalina tiveram como base hábitos e tradições presentes na cultura européia. Isto significa que, com muita certeza, podemos concluir que o primeiro canto natalino entoado por aqui foi na forma de Canto Gregoriano.

Entretanto, os “autos” organizados pelos jesuítas (peças teatrais sacras apresentadas ao ar livre) tinham por costume misturar elementos europeus com indígenas, preservando a linguagem musical do Velho Mundo em textos cantados num dado idioma local. É possivelmente deste encontro que provém os primeiros exemplos musicais natalinos criados em terra brasilis.

Com a consolidação do cristianismo no Brasil, muitas das culturas regionalizadas - caracterizadas pelo sincretismo entre tradições africanas, indígenas e cristãs - incorporaram temas ligados ao nascimento de Jesus Cristo. A folia-de-reis é, certamente, a festa natalina "tipicamente brasileira" mais conhecida de nossa tradição folclórica, consistindo (grosso modo) em grupos de foliões que na época do Natal percorrem as ruas das cidadelas, vila e bairros. Fantasiados do Reis Magos e acompanhados por instrumentos musicais, os foliões vão cantando de porta em porta, diante de um presépio ou outra imagem sacra.

Apesar do forte laço com nossa terrinha, é bem provável que um tipo semelhante de festa natalina já tenha sido praticado na Europa (mais especificamente Portugal), sendo a festa brasileira uma perpetuação desta tradição que, por fim, acabou tomando rumos e características próprias.

Mesmo na música clássica houve tentativas de se abrasileirar o Natal com elementos regionais, tal como o álbum infantil “Aconteceu no Natal”. Composto por Hekel Tavares (1896-1969) em colaboração com o letrista e dramaturgo Joraci Camargo (1898-973), trata-se de uma obra singular na qual surge a curiosa figura de um Papai-Noel negro, já totalmente livre das influências nórdicas (ao menos na cor de sua pele).

Por vezes, o músico brasileiro se sentiu tão à vontade com o Natal que esta temática é freqüentemente relembrada nos bailes de carnaval pela marchinha “Boas festas”, de Assis Valente (1911-1958) que, ao contrário da regra, fala de um Natal dos miseráveis e sem presentes, no qual Papai-Noel “com certeza já morreu, ou então felicidade é brinquedo que não tem”.

Hoje em dia, em uma sociedade de consumo musical amplamente globalizada, muitas são as formas do brasileiro cantarolar o Natal. Desde algum hit internacional, até uma canção natalina interpretada por alguma apresentadora de TV, tudo pode fazer parte desta festa que sempre pendeu entre o sacro e secular.

Entretanto, deste imenso caldeirão, é notável a força com a qual o movimento de canto coral se revela nos abafados ares de dezembro. O canto coral natalino está fortemente arraigado na tradição musical brasileira (pode não aparecer na mídia, mas está), e diversos grupos amadores e profissionais em todo país dedicam parte considerável de seus ensaios a este repertório.

Desde o famigerado "coral da firma" até os poucos grupos profissionais em atividade no país, todos - em maior ou menor medida - dispendem boas horas de ensaios em músicas sobre o nascimento de Jesus.

Se nas lojas e shoppings centers o Natal aquece as coisas, na música ele ainda mostra que, apesar dos pesares, o Natal é ainda chama e labareda para muita lareira. Mesmo nos calores dos trópicos.


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