"Baixar" clássicos na internet é baixaria?
Numa era em que circuitos - e alguns curto-circuitos - nos cercam cada vez mais, em que a troca de dados via internet virou uma coisa corriqueira e em que grandes gravadoras estão botando habilidosos advogados no encalço do pessoal que anda se esbaldando ao "baixar" música de graça na internet como então, nós - apopléticos, apoteóticos e apocalípticos apreciadores de música clássica -, podemos ou devemos lidar com isto?
Para os passageiros que estão embarcando agora na nau cibernética, esclareço: sim, é possível fazer um considerável acervo clássico baixando arquivos pela internet. E aí surgem duas perguntas: 1) O que eu devo fazer para baixar música? 2) Eu devo fazer isto?
Adão e a maçã...
Para baixar música pela internet é necessário que você instale um software que serve como uma espécie de intermediário (interface) entre o fornecedor da música e o receptador dela, no caso, você! (Qualquer semelhança dos substantivos aqui empregados com aqueles utilizados no jargão policial é mera coincidência. Ou não.)
Existem dois principais softwares de troca atualmente: o Kazaa e o eMule. Ambos são gratuitos e você pode adquirí-los clicando no link. Como minha experiência limita-se ao eMule - por ser mais fácil de manusear e por não deixar meu PC lento - todos os comentários se remeterão a este software.
Depois que você instalou o software, o eMule possui um menu chamado "busca". Nele você escreve o nome de algum compositor, intérprete, orquestra, o que for, e após ordenar a busca em poucos segundos uma lista imensa de arquivos aparecerá. São arquivos em formatos de audio (a partir do qual você pode gravar um CD), de vídeo (a partir do qual você pode gravar um DVD), de texto (desde librettos de ópera a ensaios acadêmicos) e de imagem (partituras, fotos, etc.).
Tudo como se você estivesse numa prateleira de supermercado. Você olha, escolhe e coloca em seu carrinho, com a vantagem que você não pagará nada por ele: basta dar o comando para "baixar" o arquivo e esperar para que ele esteja disponível em seu PC (alguns são transferidos em poucos minutos, outros levam dias, tudo depende do tamanho, da procura e de outros fatores).
"Como isto é possível?" ó caro leitor deve você se perguntar. Isto é possível porque alguém em algum lugar deste planeta, cometeu o pecado original, no caso, se deu o trabalho de comprar um CD original, passou seu conteúdo para o computador e, ao fazer isto, o colocou no caótico acervo da rede internacional de computadores.
No eMule, toda vez que você baixa um arquivo ele automaticamente fica à dispósição dos outros usuários. Tendo em vista a quantidade de gente conectada a estes softwares (na casa dos milhões) faça as contas da quantidade de coisas que você pode encontrar.
Quantidade não é qualidade, certo? Às vezes. Veja só o é possível garimpar no cyberespaço:
- Os mais recentes lançamentos mundiais, alguns que sabemos que jamais serão lançados no Brasil, isto é, que terão um não convidativo preço um produto importado.
- Gravações antológicas, tais como todos os quartetos de Beethoven com o Quarteto Alban Berg, todos os lieder de Schubert com Dietrich Fischer-Dieskau e muito mais.
- Sabe aqueles caríssimos CDs importados de música antiga? Então, estão todos lá.
- Todas as partituras de J.S. Bach, bem como todas as sinfonias de Mozart, Beethoven, Brahms e etc.
- DVDs completo de óperas.
- Etc., etc., etc...
Bem, feita a minha parte de serpente, mostrando as delícias de um fruto proibido (aforisma do grande Millôr Fernandes: "Há mais delícias no espírito de porco do que espírito nos jardins das delícias"), vamos ao outro lado da história:
Tiro-no-pé ou subverção mercadológica?
Quando se fala da caça-às-bruxas contra àqueles que baixam música sem pagar nada está subentendido no debate a questão do direito autoral. Mas, exceto por compositores de do século XX em diante, para quem, então, pagar os direitos da Pastoral de Beethoven? Das cantatas de Bach? Dos madrigais de Monteverdi?
Em relação ao clássicos a questão não está circunscrita à autoria da música, mas sim nos direitos da interpretação das obras gravadas, das quais as gravadoras e os selos musicais são donos: devemos pagar pelo trabalho de René Jacobs, de Nicolaus Hannoncourt, da Cecilia Bartoli, de Jordi Savall, de Maurizio Pollini, de Nelson Freire.
As gravadoras, não raro, pagam vultuosas quantias a esses nomes na certeza de que mesmo fazendo um repertório já conhecido estes artistas são atraentes o suficiente para fazer com que um sujeito que já tenha três ou mais gravações da La Traviata compre mais uma com uma soprano russa que é moda no momento (neste exemplo me refiro ao novo lançamento da Deutschegrammophon com Anna Netrebko).
Toda vez que se baixa uma música sem pagarmos o direito de interpretação tiramos um pequeno tijolo do edifício que sustenta o cotidiano musical.
E aí termino este longa postagem com algumas perguntas, por assim dizer, retóricas:
- Vale a pena usurparmos o direito de um artista?
- Vale a pena pagar 1/4 de nosso atual salário mínimo em um CD?
- Estou mesmo prejudicando alguém?
- Por estar apenas "baixando" tenho eu alguma culpa nesse cartório?
- É justo enfraquecer a indústria fonográfica clássica e, com isto, botar em risco toda uma tradição?
Decifra-te se puderes!
Um comentário:
o www.eliteclasica.com (ligado ao emule) é o melhor para mim
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