
foto: Clive Barda
Nos últimos anos o Brasil tem vivenciado uma série de transformações em seu cotidiano musical, que se tornou mais intenso, atrativo e com um grau de qualidade técnica provavelmente sem precedentes em nossa história. Estas transformações ocorreram em grande parte pelas mudanças que as orquestras sinfônicas do país têm passado nos últimos tempos (em especial, a OSESP, OSB e OPPM). Epicentros da vida musical de uma cidade, a melhoria de nossas orquestras mostra-se fator decisivo para a melhoria da música brasileira como um todo, à qual soma-se a crescente profissionalização dos serviços de produção musical, à parte o descaso que a música ainda sofre em diversas esferas do poder público.
Três iniciativas relevantes.
1. Osesp e a Sala São Paulo: em nossa história, poucas vezes observou-se o poder público tão empenhado em realizar um projeto musical desta envergadura.
2. Festival Amazonas de Ópera: se ópera na floresta era entendido como um delírio fitzcarraldiano, o FAO mostrou ao mundo que cultura não pode ser encarada enquanto segmentação de classes sociais. Junto com sua floresta, o evento faz da Amazônia um lugar ainda interessante (e obrigatório) de se conhecer.
3. Festival Música Nova: apesar de ativo há décadas, é importante ressaltar a persistência e o estoicismo de seus organizadores. Fazer nova música é essencial para a manutenção de nossa cultura, e o Brasil ainda está por calcular a dívida que tem para com este evento, que ainda carece do apoio institucional devido.
Figura das mais respeitadas do moderno teatro brasileiro, em 2006 o diretor Felipe Hirsch realizou sua estréia no mundo da ópera com o fundamental “O castelo do Barba Azul”, do compositor húngaro Béla Bartók (1881-1945). Neste mês de maio o público paulistano terá a oportunidade de conferir o trabalho operístico de Hirsch na segunda montagem da temporada lírica do Theatro Municipal. Foi sobre ópera, teatro e interessantíssimos desejos para o futuro que Hirsch falou com o OutraMúsica.
Minha relação com a música em geral sempre foi muito intensa. Apesar de até o “Barba Azul” não ter me dedicado profissionalmente a ópera, sempre me interessei por ela. Anteriormente, já tinha recebido convites para dirigir ópera, mas não aceitei por achar que não teria tempo para fazê-las.
No caso desta ópera de Bartók decidi topar porque gostava muito da história em si, pois ela tem um caráter simbolista que me agrada muito. Além disto, na época em que recebi o convite vi que ela se relacionava bastante com a peça de teatro que estava trabalhando, “A educação sentimental do vampiro”. Dirigir o “Barba Azul” foi uma experiência muito importante, e a considero entre os cinco melhores de Sutil [companhia de teatro dirigida por Hirsch].
Quais as diferenças mais significativas que vivenciou na direção de ópera em relação à sua experiência no teatro?
As diferenças são muitas, mas acho que soube equilibrar as informações e hábitos destes diferentes universos e realizar uma montagem bem “responsável”. Na parte musical fui estudar a obra de Bartók, tendo inclusive estudado com um professor húngaro, além, é claro, de estreitar ainda mais o relacionamento e a conversa musical com os cantores Stephen Bronk e Céline Imbert, bem como com Aylton Escobar, que fez a direção musical na estréia da montagem,
Mas, por outro lado, fiz questão de também ser “irresponsável” ao lançar sobre a ópera o olhar de alguém de fora deste mundo. Trouxe toda minha companhia para fazer o “Barba Azul”, e toda nossa experiência em teatro foi empregada no exercício da ópera, que nem sempre se orienta pelos mesmos valores do teatro moderno.
Como foi o processo de concepção da montagem do “Barba Azul”?
A gente desenvolveu o seguinte conceito para definir toda a história: o castelo do Barba Azul é o próprio Barba Azul. Na verdade, é ele quem abre as portas. Luzes e portas são símbolos de auto-conhecimento e de amor. Mas há também as portas sombrias, como a da vaidade e a da raiva. Foi a partir disto que vimos no castelo um meio de explorar este homem internamente. Assim, procuramos realçar o simbolismo presente na história, ao usarmos objetos como o espelho, o raio-x e o modo bastante holográfico com o qual usamos a projeção de imagens.
Quais as “vantagens” e as “desvantagens” que vê na direção de ópera?
Vantagem é a música. Pronto! A música é uma arte quase sem mediação, pois ela toca direto no emocional. Esta capacidade de diminuir o tempo entre o contato e a emoção é uma grande vantagem. Sobre as desvantagens, na verdade, estou tentando desmontá-las, mais especificamente alguns velhos hábitos presentes nas montagens tradicionais de ópera.
Como foi trabalhar a dramaturgia com o elenco vocal?
Na verdade, creio que tive muita sorte, pois o Stephan e a Céline são, além de grandes cantores, excelentes atores. Sei que isto é um privilégio que não sei se terei em outras experiências no gênero.
Em sua opinião, o que o teatro contemporâneo poderia assimilar da linguagem operística?
Acho que é a capacidade de pensar musicalmente e uma nova maneira de lidar com o tempo. E acho que não é só da linguagem operística que o teatro tem o que assimilar. Cada vez mais acho que o teatro é capaz de absorver tudo, e que ele é muito maior do que está sendo feito por aí. Precisamos fazer jus a esta capacidade do teatro de tudo absorver.
Tenho uma atração pela música da II Escola de Viena. Logo, se pudesse, eu certamente escolheria o “Wozzeck”, de Alban Berg.
Serviço: