09 junho 2006

A música como texturas e cores

CDs trazem a beleza da música contemporânea brasileira

Desde meados da década de 1950, ocasião em que a eclosão dos movimentos vanguardistas da música européia confirmou o fim do tradicional sistema tonal como a linguagem musical para a confecção de uma música “nova”, o ofício do compositor tornou-se uma atividade extremamente íntima e individual. Em contrapartida, observou-se a tendência do público preterir a música de seu tempo em favor de estéticas datadas de ao menos um século atrás.

Passado tanto tempo, a moderna música clássica ainda é exceção nas salas de concertos ao redor do mundo: independentemente de proposta musical, a esta audiência mostra por vezes verdadeira aversão a qualquer compositor que esteja vivo.

À parte deste ambiente freqüentemente hostil, a busca por novos caminhos continuou, arrebanhando um público próprio e fiel. No atual cenário nunca a música brasileira esteve tão a par – ou mesmo na dianteira – do que se faz de mais moderno em termos de música. Parte desta “nova Música Nova” brasileira pode conferida nos álbuns “Música Contemporânea Brasileira para Clarinetes e Percussão” e “Materiales” (R$ 20 cada) idealizados, produzidos e interpretados pelo percussionista Joaquim Zito Abreu, com o patrocínio do programa Petrobrás Cultural.

Trata-se de dois CDs nos quais a rica sonoridade dos instrumentos de percussão mostra-se como um cantochão que unifica diferentes poéticas musicais de expressivos compositores brasileiros.

No álbum dedicado às obras de percussão e clarinete (a cargo do excelente Paulo Passos), é marcante o trabalho sobre a sutileza do colorido tímbrico, em especial nas obras de Luiz Carlos Csekö, Roberto Victorio e Paulo Chagas. Numa linguagem mais descontraída, com a obra “Imagens” Ronaldo Miranda garante a quebra de uma certa homogeneidade estilística que quase dominou o álbum, que encerra de forma suntuosa com a obra “Colores (Phila: In Prasentia)”, de Flo Menezes, na qual à música instrumental é adicionada uma parte eletroacústica que justifica sua escuta em fone de ouvido para uma melhor apreensão dos sons que literalmente circulam o ouvinte.

Aliás, suntuosidade tímbrica é também o forte da peça “Materiales”, de Willy Corrêa de Oliveira, e que dá o nome ao CD de percussão e voz, a cargo da soprano Andrea Kaiser. Sob a regência de Abel Rocha, esta é uma típica obra onde uma gravação competente (tal como a realizada) faz toda diferença para a verdadeira degustação auditiva que a partitura proporciona.

Na contramão da pluralidade sonora empregada à percussão, a obra “Carta de Jesuralém”, de Almeida Prado, por sua vez lança mão de uma escritura simples para a realização deste quase teatro musical sobre a paixão de Cristo, contrastando com consigo mesmo em “Cartas Celestes XI”, única obra sem canto do referido álbum que se completa com obras de Jaceguay Lins e Ernst Widmer.

Apesar das limitações inerentes à proposta, este projeto é uma ótima oportunidade não apenas para conhecer um pouco mais de nossa música atual, mas acima de tudo para desfrutar as texturas e as cores de uma música que tem muito a dizer aos nossos ouvidos.

O mês da música moderna

Em contraste com o ostracismo pelo qual a música contemporânea em geral passa ao longo do ano, este mês de junho mostra-se especialmente interessante para aqueles que gostam de se enveredar pelo admirável mundo novo da música.

No decorrer desta semana São Paulo abrigou importantes eventos na área, e que se estenderão ao longo do mês. Domingo passado o público paulistano teve a oportunidade de conferir três estréias de obras sinfônicas modernas, algo infelizmente muito raro nas atuais conjecturas. Sob a regência do maestro português Pedro Amaral a Orquestra Sinfônica Municipal estreou mundialmente a obra “Pan” do compositor paulistano Flo Menezes e realizou as estréias brasileiras de “Fünf Sternzeichen” do alemão Karlheinz Stockhausen e de “zeroPoints” do húngaro Peter Eötvös.

Paralelamente, o Centro Cultural São Paulo lança na Galeria Olido os CDs do projeto “Música Contemporânea Brasileira”, que incluem um extenso catálogo de obras de compositores brasileiros e a publicação em suporte digital de cinqüenta partituras. Para o lançamento a instituição programou para esta semana uma série de eventos que continuam hoje com o concerto com obras de Almeida Prado (às 21h) e adentram o fim-de-semana com Rodolfo Coelho de Souza (sábado, às 21h) e com a projeção do filme “A Odisséia Musical” sobra a vida e a obra de Gilberto Mendes, considerado o “patriarca” da música moderna brasileira (domingo, às 20h).

Ainda neste domingo, dia 11, a série de câmara da Osesp fará um concerto dedicado à música do século XX que inclui a magistral “Persephassa” de Iannis Xenakis. Neste mesmo dia dá se início à maratona de concertos da VI Bienal Internacional de Música Eletroacústica de São Paulo (BIMESP), evento singular na América Latina e que se estenderá ao longo da semana nos teatros dos Sescs Ipiranga e Vila Mariana.

Para os mais dispostos, vale a pena encarar uma estrada e conferir o panorama que o Espaço Cultural CPFL, em Campinas, fará todos os sábados de junho (sempre às 21h), sobre a obra do compositor amazonense Claudio Santoro.

No Rio, além do concerto de lançamento dos CDs de Joaquim Zito Abreu (ver serviço acima), merece destaque as atividades que o grupo Prelúdio 21 realizou ao longo desta semana no Centro Cultural Telemar. Integrado por jovens compositores, há diversos anos o grupo propicia com regularidade ao público carioca concertos com o que há de mais recente em termos de música clássica. Trata-se de uma iniciativa ímpar que deveria ser tomada como exemplo em todo o país.

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