Na última década, diversos projetos de recuperação de repertório, e seu respectivo registro fonográfico, têm surgido na cena musical brasileira. Via de regra, estes projetos contam com o patrocínio de grandes estatais, ou mesmo de governos estaduais e municipais. Muitos deles têm se provado de um valor inestimável para a memória de nossa música, na medida em que neles convergem o acurado trabalho de nossos musicólogos e a destreza de bons músicos.
Apesar disto, vez ou outra podem surgir contra-exemplos que, apesar das boas intenções e da pertinência da temática que suscitam, no final das contas em nada acrescentam, quando não acarretam em desinformação.
Tal é o caso do projeto “Mestres Mulatos”, concebido e dirigido por Marcelo Antunes Martins. À frente da Sinfonieta dos Devotos de Nossa Senhora dos Prazeres (na verdade, um grupo de instrumentistas arregimentados ocasionalmente para este projeto), Martins propõe “dar luz à existência” (sic) de compositores “afrodescendentes”. Mas, por fim, a proposta mostra-se uma falácia, tanto do ponto de vista conceitual – ao tentar monocromatizar a história da música brasileira na figura do mulato – como no ponto de vista prático, esbarrando no diletantismo da regência de Martins e nas adaptações de gosto duvidosos das partituras originais (o que, por sua vez, acarreta sua nulidade enquanto objeto histórico e estético). A intenção pode ser boa, mas ainda falta muito para o projeto corresponder de forma adequada à importância histórica dos artistas que ele pretende resgatar.
[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]
11 comentários:
vale lembrar que a proposição original fora prevista para execução por voz acompanhada de violão, muito embora os arranjos propostos por martins e as performances da sinfonieta em momento algum tenham incluído estes dois componentes. concordo, a intenção pode ser boa, mas o risco de desinformação aos meus olhos (e ouvidos) acabou se tornando real.
GOSTARIA DE SABER SE ESSAS DUAS PESSOAS ESTIVERAM PRESENTES DE FATO EM ALGUMA DAS APRESENTAÇÕES DO PROJETO... EU ESTIVE E ACHEI MARAVILHOSOS... ME PARECE QUE A DESINFORMAÇÃO É DE VOCÊS, OU SERÁ DESPEITO??? DOR DE COTOVELO, INVEJA!!!!!
QUERO REGISTRAR QUE OUVI UM DEPOIMENTO DO MAESTRO JULIO MEDAGLIA SOBRE O PROJETO, MUITO ELOGIOSO E RESPEITOSO!!
SINTO MUITO POR VOCÊS 2!!
Cara Fernanda. Estive sim ao último concerto do projeto e ouvir o registro documental de outros. Se você gostou ou não, isto é direito individual seu e ponto, não há o que discutir. O que fiz foi analisar o que de fato está acontecendo e o material apresentado. A idéia do projeto não é má mesmo (isto está em meu artigo). Mas em sua realização há vários problemas, tal como rapidamente pontuei no texto. Se você gostou do repertório, indicaria as gravações que o Festival de Juiz de Fora há anos faz, seguindo fielmente o que está originalmente previsto na partitura e com uma excelência musical que em nada deixa dever ao grande grupos internacionais.
Caro Leonardo,
você pode me informar onde ouviu os registros documentais mencionados na resposta para a Fernanda?
Agradeço a Gentileza.
Decio Tommasini Carraro
deciocarraro@ajato.com.br
Caro Decio,
As gravações foram cedidas pela assessoria de imprensa do projeto, com a observação de se tratarem de gravações documentais de alguns concertos já realizados. O fato de ser "documental" em nada influi no mérito da questão, na medidade em que não era foco do artigo a qualidade da gravação nem o desempenho de uma performance ao vivo.
Agradeço a informação.
Decio
Como este tópico está dando o que falar, e já estão começando a misturar alhos com bugalhos, não será mais permitido a postagem anônima. Passo a moderar os comentários, onde tudo será publicado, pró ou contra. Só será vedada a baixaria.
Nesta sexta-feira a Gazeta Mercantil publicará a réplica do maestro Martins, bem como a minha tréplica.
Finalmente a crítica musical voltou-se à prática da música que foge ao tradicional formato de espetáculos nas grandes salas de concerto. Músico de orquestra que sou há quase 20 anos (toquei em várias orquestras brasileiras como violista) e pesquisador de música brasileira há um bom tempo, noto há muito que o foco principal (talvez único) da crítica musical tem sido os concertos no formato standart dos grandes grupos oficiais ou dos grandes eventos internacionais que acontecem nas grandes e tradicionais salas. Os projetos menores, com propostas ousadas e inovadoras, como é o caso da Sinfonieta dos Devotos de Nossa Senhora dos Prazeres, são, via de regra, praticamente ignorados. Vale notar que sou amigo de críticos de música e já comentei esse fato com eles...
Mas felizmente, e finalmente, alguém lembrou de comparecer a um desses diferenciados eventos musicais. Entretanto sou forçado a discordar das colocações.
Não compreendo o problema em categorizar a Sinfonieta como sendo um grupo de "instrumentistas arregimentados ocasionalmente para esse projeto". Será que somente as formações permanentes, os grupos oficiais (e estatais) merecem algum crédito? Formações diferenciadas seriam desprezíveis nesse ponto de vista? Ao que me consta, a holandesa Orquestra do Século XVIII possui essa mesma característica de "arregimentados ocasionalmente": os músicos encontram-se algumas vezes no decorrer do ano para ensaios, gravações e turnês. E, músico de orquestra que sou, posso afirmar que dentre os integrantes da Sinfonieta encontram-se profissionais de alta qualidade e estudantes de nível avançado. Conheço a maioria deles, posso afirmar isso!
Discordo que o Maestro Marcelo Martins esteja monocromatizando a história da música brasileira. Longe de apontar para pesquisas de gênero que ocorrem na musicologia atual, a opção dele é por um viés inusitado, mas jamais reducionista. Aliás, utilizar a expressão "monocromatismo" é um tanto quanto inadequada ao referir-se ao termo mulato. Se o Brasil até grande parte do Século XIX foi basicamente mulato, depois disso, e atualmente, é cada vez mais mestiço. O mais adequado seria falar em "policromatismo" ou algo do gênero. Se por muito tempo os mestres foram mulatos (e disso ninguém duvida) hoje todos são mestiços, aliás como todos nós neste país.
Sobre a autenticidade na adaptação das obras o debate pode ir muito longe. Por exemplo, o que vamos fazer com o enorme repertório sacro mineiro que se encontra completamente fragmentado e em partes dispersas? Restaurar essas obras exige sem dúvida rigor conceitual, mas criatividade é fundamental. E falar em "gosto duvidoso" sempre é algo duvidoso...
O fato do Maestro Marcelo Martins não possuir uma formação curricular nos grandes e míticos centros nacionais/internacionais do saber artístico não desmerece em nada o seu projeto, que, como já disse, além de inusitado e ousado, é ao mesmo tempo despretensioso. Levar uma programação com uma proposta coerente, fora dos circuitos "oficiais" da música de concerto, com um repertório raramente executado nessas salas, abrangendo um espectro de público tão variado quanto a nossa sociedade requer uma aptidão, formação e concepção que dificilmente os grandes e míticos centros do saber artístico poderiam oferecer. Uma temporada musical na ignorada Igreja da Irmandade do Rosário só pode receber parabéns pela idéia e aplausos aos corajosos patrocinadores.
E os grandes nomes dos grandes grupos será que recebem a mesma crítica que o Maestro Martins recebeu? Na minha vida profissional já vi coisas inacreditáveis no ponto de vista artístico acontecerem nos nossos palcos, mas não receberam comentários da crítica. Será que só os pequenos merecem essa atenção??
Como músico e pesquisador há anos espero e trabalho por projetos que tragam originalidade e ousadia na prática e pesquisa de nosso passado musical. Poucas idéias surgem e poucos conseguem o apoio necessário à sua efetivação. O projeto "Mestres Mulatos" do Maestro Marcelo Martins aponta para possibilidades e inovações que indicam saudáveis e promissores resultados.
A PRETENSÃO DE QUEM JULGA...
De início, quero agradecer o Sr. Leonardo pela crítica feita ao projeto Os Mestres Mulatos; qualquer crítica é produtiva, no sentido que, possivelmente, cause polêmica, o que torna o objeto da crítica mais conhecido.
Infelizmente, no caso presente, isso não aconteceu, pois não houve comentários suficientes para causar a tão desejada polêmica.
Isso evidencia uma de duas possibilidades, ou as duas.
Na primeira, o projeto não causou interesse - e nisso sou contradito pelas inúmeras mensagens que o projeto recebeu, desde simples ouvintes, até pessoas MUITO abalizadas como a do Maestro Júlio Medaglia, o primeiro brasileiro a apresentar, no Municipal, um concerto de autores brasileiros da época colonial. Amigo íntimo de Curt Lange - este último também primeiro "descobridor" das partituras que hoje são disputadas egoisticamente por acadêmicos, guardadas a sete chaves para recuperação (aliás, patrocinada pela mesma "grande estatal" que patrocina o projeto, a Petrobrás) - hospedava-o em sua residência quando este vinha ao Brasil; com isso, foi também o primeiro estudioso brasileiro a ter contato com essas composições. O Maestro Medaglia é nosso padrinho não oficial.
A segunda possibilidade da pouca repercussão causada pela crítica, possivelmente evidencia o pouco interesse que a crítica causou; e, aí, começa a se evidenciar a PRETENSÃO do título, pois vejamos:
A matéria recebeu apenas quatro (é isso mesmo, QUATRO) comentários, sendo um, possivelmente da mulher do Maestro Marcelo (Fernanda), outro de uma pessoa equivocada (Sheila) que afirma - não sei baseada em quê -, "que a proposição original fora prevista para execução por voz acompanhada de violão", e outra do músico e pesquisador Adriano de Castro Meyer, pessoa muito séria e correta.
Uma quarta mensagem foi postada por pessoa que se assinou Bernardo e que levantava uma hipótese pessoal, mas de grande importância, quando vista como a possível provocadora das afirmações do autor da crítica. Esse comentário foi simplesmente excluído pelo administrador do blog, pois deve ter atingido o âmago da questão.
No dia 3/julho o Sr. Leonardo escreveu: "Como este tópico está dando o que falar...". QUATRO comentários (um excluído) é dar o que falar? Têm pessoas que se contentam com tão pouco...
Mas a PRETENSÃO não parou por aí. O Sr. Leonardo, brasileiramente, instituiu uma CENSURA em seu blog, dando-se o direito de JULGAR o que pode ser publicado, ou não.
É claro que o blog é do Sr. Leonardo e, nele, pode fazer o que quiser. Mas isso evidencia a fragilidade de suas opiniões, pois O CRÍTICO NÃO SUPORTA CRÍTICAS. E ainda cai em contradição ao declarar que "já estão começando a misturar alhos com bugalhos, NÃO SERÁ MAIS PERMITIDO (SIC) a postagem anônima. Passo a moderar os comentários, (olha aí a censura!) onde TUDO SERÁ PUBLICADO, pró ou contra (olha aí o contra-senso; TUDO SERÁ PUBLICADO DESDE QUE ELE JULGUE ANTES e publique o que melhor lhe interessar). Só será vedada a baixaria.". (Os parênteses e grifos são meus.) Li o comentário do Sr. Bernardo e não vi baixaria alguma. Porque não exibi-lo e deixar que os leitores julguem? O Fato de ser ANÔNIMO (como, se foi assinado?), não tira o valor do conteúdo.
Justamente no momento em que toda a Imprensa, da qual o Sr. Leonardo, presume-se, faz parte, luta contra qualquer forma de censura, esse senhor a estabelece em seu blog DIRETAMENTE LIGADO A UMA PUBLICAÇÃO DE PRESTÍGIO.
Quero deixar claro que não estou saindo em defesa do Maestro Marcelo, estudioso sério e aplicado, que pesquisou durante nove (eu disse NOVE!) anos as partituras do Museu da Música, em Mariana, MG. Antes disso foi estudioso e executor de peças do Barroco, tendo, inclusive, formado algumas orquestras e Sociedades Musicais; não é, portanto, neófito no assunto.
Mas me senti também atingido pela crítica; fui o primeiro produtor da fase executiva do projeto e talvez algumas dessas críticas se dirijam a idéias minhas.
A crítica, ela sim, foi desinformante, e posso provar com facilidade.
Ao afirmar que o Projeto "propõe “dar luz à existência” (sic) de compositores “afrodescendentes”" ... "ao tentar monocromatizar a história da música brasileira na figura do mulato" (sic, meu), o autor desfocou completamente o escopo do projeto, que é LEVAR AO CONHECIMENTO DO PÚBLICO LEIGO E/OU INTERESSADO, AS MAGNÍFICAS OBRAS DESSES MESTRES, por acaso todos mulatos, uma vez que nosso país foi, é e será, SEMPRE mulato. Fossem esses Mestres Brancos, Orientais, Negros, Vermelhos ou Marcianos Verdes, a finalidade do projeto seria a mesma: levar ao público comum o conhecimento das obras desses mestres geniais, COMPLETAMENTE ESQUECIDOS nos repertórios de nossas orquestras.
É muito fácil, se ouvir uma missa de Bach. Mas praticamente impossível assistir, mesmo em igrejas, missas de Lobo de Mesquita ou mesmo de José Maurício Nunes Garcia (não no caso da Sinfonieta dos Devotos de N. S. dos Prazeres que, em outubro do ano passado, oficiou na Igreja de N. S. do Rosário da Pompéia, uma Missa Cantada, justamente de José Maurício. Orquestrada e regida por Marcelo Antunes Martins).
Entendam: que não estou reclamando do gosto particular do Sr. Leonardo por esse tipo de música. Como crítico, deve externar sua opinião - que não poderá deixar de ser particular - e essas opiniões são bem-vindas, sejam elas contra ou a favor.
O que me desencanta é que uma pessoa da estatura desse Senhor transmita ao seu público uma opinião apressada, mal baseada e informada, sem nunca ter, ao menos, procurado comparar o trabalho do arranjador com as partituras originais. E emitir afirmações levianas, como a de que o projeto esbarra "... no diletantismo da regência de Martins e nas adaptações de gosto duvidosos das partituras originais.".
Então, Senhor Leonardo, porque o Maestro Marcelo não é formado academicamente (embora tenha freqüentado vários cursos acadêmicos), tem sua competência diminuída? E o senhor, é formado em JORNALISMO? E isso diminui a qualidade de suas críticas? Como é que é?
E essas colocações diminuindo os músicos da Sinfonieta e o Maestro, não seriam uma baixaria?
Para julgarmos aos outros, Senhor Leonardo, deveríamos primeiro julgar-nos a nós mesmos.
Espero que sua CENSURA permita que este comentário seja publicado em seu blog e que, caso o Senhor queira conhecer melhor o Projeto Os Mestres Mulatos, procure-me. Terei o maior prazer em orientá-lo.
Decio Tommasini Carraro
Em tempo: Não sou mais produtor do Projeto, mas ele ainda me é caro. Como os atuais produtores não se manifestaram, achei-me na obrigação de fazê-lo.
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