22 junho 2007

Japoneses turbinados

Tokyo String Quartet se apresenta com um privilegiado instrumental, composto integralmente por Stradivarius.

Um já é difícil, mas com esforço dá pra conseguir. Dois é um sonho, que apenas de vez quando se torna realidade. Três é quase uma epifania, mas quatro Stradivarius juntos é algo muito próximo do paraíso.

Se você acha que juntar tantos “super-instrumentos” musicais é algo impossível, prepare-se!, pois neste fim-de-semana eles não só estarão juntos como serão tocados por músicos de grande talento e domínio técnico: trata-se das apresentações que o Tokyo String Quartet fará em São Paulo, dentro da temporada do Mozarteum Brasileiro.

Composto por dois violinos, uma viola (instrumento um pouco maior que o violino) e um violoncelo, o quarteto de cordas é um dos mais célebres grupos de câmara da história da música, existindo para esta formação um belíssimo repertório que vem se agigantando desde sua criação, no século XVIII. Os integrantes do Tokyo String Quartet usam em suas apresentações um conjunto de instrumentos Stradivarius que ficou mundialmente conhecido como “Quarteto Paganini”, nome do célebre compositor e violinista italiano que teria reunido em torno de si estes instrumentos.

Fundado em 1969, apesar de seu nome, o Tokyo String Quartet (literalmente, Quarteto de Cordas Tóquio) não iniciou suas atividades na capital japonesa, mas sim em Nova York, onde os fundadores do grupo – todos nascidos no Japão – então estudavam na prestigiada Julliard School of Music. Uma vez nos EUA os violinistas Koichiro Harada, Yoshiko Nakura, o violoncelista Sadao Harada e o violista Kazuhide Isomura (o único da primeira formação ainda atuante no grupo) decidiram batizar seu quarteto com o nome da cidade onde está estabelecida uma das principais escolas de música japonesas, a Toho Gakuen, onde todos foram alunos de Hideo Saito.

Desde seus primórdios o Tokyo String Quartet caiu nas graças do público e da crítica especializada, devido à destreza e dedicação de seus intérpretes. Sua determinação e musicalidade logo lhes conferiram o primeiro lugar em disputadas competições de música clássica, tais como o Coleman Competion, nos EUA, e o concurso de Munique, na Alemanha. Ainda quando seus integrantes eram muito jovens, o quarteto assinou um contrato de exclusividade com o renomado selo alemão Deutsche Grammophon. O prestígio do grupo foi tão longe que apenas sete anos após sua fundação ele foi convidado para ocupar o posto de “quarteto em residência” (uma espécie de patrocínio vitalício) da Universidade de Yale, onde ainda hoje os integrantes do grupo desenvolvem várias atividades, entre aulas, ensaios, apresentações e masterclasses.

Apesar deste início tão promissor, não foi de imediato que os músicos do Tokyo String Quartet tiveram ao seu alcance estas verdadeiras maravilhas da lutheria (nome da atividade de construção de instrumentos) que é o “Quarteto Paganini”. Antes de chegar aos dias atuais, os quatro instrumentos Stradivarius – que a partir de amanhã iluminarão o palco da Sala São Paulo – passaram por um longo périplo através dos séculos...

A odisséia de quatro instrumentos

Tido como as mais perfeitas peças de artesanato, os violinos cremonenses (região ao norte da Itália) foram elevados à condição de “obra de arte” quando, por sua vez, virtuoses como o Giuseppe Tartini, Giovanni Battista Viotti e Paganini alcançaram grande popularidade ao empunhar estas verdadeiras máquinas diante de entusiasmadas platéias. Dentre os diversos luthiers existentes na região entre o final do século XVII e início do XVIII, os instrumentos de Antonio Stradivari (1644-1737) foram os que mais se destacaram, devido à sua sonoridade singular que jamais conseguiu ser imitada por qualquer outro luthier ou aparato tecnológico.

A fama dos instrumentos Stradivarius perpassou os tempos, quando no século XIX Niccolò Paganini (1782-1840), já com a carreira solidamente constituída, resolveu aplicar parte de sua fortuna na reunião de um quarteto de cordas integrado apenas por peças construídas pelo célebre mestre cremonense. Tal empreitada pode ser entendida mesmo como um investimento puramente financeiro, uma vez que para uso próprio Paganini preferia um violino construído por outro afamado luthier cremonense, nascido na família Guarneri.

Porém, a reunião de instrumentos tão famosos mostrou-se algo impraticável em termos de investimento, uma vez que mesmo após da morte de Paganini – que contribuiu para sua valorização do quarteto – não havia em todo mundo um comprador que pudesse adquirir os quatro instrumentos de uma só vez. A solução encontrada por seu filho, Achillo Paganini, foi separar os instrumentos que seu pai a tanto custo conseguiu juntar.

Passado quase um século e meio, foi apenas após a II Guerra Mundial que os instrumentos que compunham o “Quarteto Paganini” voltaram a se reunir, por meio das mãos do negociante Emil Herrmann. Entretanto, Herrmann logo colheu os frutos do esforço dispensado para reunir estes instrumentos, vendo-os em 1946 por US$ 155 mil – uma quantia significativa para época – para Anna Clark, viúva de um rico senador e magnata do cobre norte-americano.

A partir de então o mítico instrumental foi emprestado para diversos grupos estabelecidos nos EUA, tais como o Quarteto da Sinfônica Nacional de Washington, o Quarteto de Iowa e o de Cleveland. Após a morte da proprietária os instrumentos foram doados à Galeria de Arte Corcoran, em Washington, que 1995 os vendeu por nada menos que US$ 15 milhões à Fundação Musical Nipônica, que de imediato os emprestou para os felizardos integrantes do Tokyo String Quartet.*

Relicário musical

Apesar de todo fascínio existente nos instrumentos que os integrantes do Tokyo String Quartet empunham, de nada lhes valeriam não fosse a excelência musical de seus integrantes, que desde a fundação passou por diversas renovações e mesmo uma “ocidentalização” de seu efetivo, que hoje conta com dois japoneses, um canadense e um britânico. Assim, cada apresentação do grupo é uma oportunidade única de entrar em contato direto um precioso relicário musical, seja por conta de seu repertório, pela destreza de seus músicos ou pela magia de seus instrumentos, que por meio de seus sons emanarão séculos história e tradição.

* Em um post de tempos atrás, o OutraMúsica trata de forma mais aprofundada numa resenha do livro “Stradivarius: cinco violinos, um violoncelo e três séculos de perfeição”, de Toby Faber. Clicáqui para ler.

Serviço
Tokyo String Quartet, Mozarteum Brasileiro (São Paulo).
Sala São Paulo, sábado (dia 23) e domingo (24), sempre às 21h.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]

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