20 abril 2007

Tempo de ópera no Amazonas

Principal evento brasileiro do gênero, o 11º. Festival Amazonas de Ópera inicia hoje suas apresentações.

Começa hoje, na cidade de Manaus, a décima primeira edição do Festival Amazonas de Ópera (FAO), evento referência no cenário nacional e que gradualmente vem conquistando espaço na cena internacional, que desde 1999 está sob a direção artística do maestro Luiz Fernando Malheiro. Ao longo de sua trajetória não só belas montagens e grandes vozes foram levadas ao palco do Teatro Amazonas: paralelamente aos seus méritos artísticos, o FAO foi o vagão condutor da profissionalização, ainda em desenvolvimento, da produção operística numa dimensão que o Brasil jamais havia conhecido.

Apesar da solidez de sua dimensão artística, o FAO vive atualmente um delicado momento em decorrência das mudanças na política cultural do Estado do Amazonas. Soma-se a isto a resistência das empresas da Zona Franca de Manaus em concretizar o patrocínio ao festival, ainda que por meio de leis de renúncia fiscal que, teoricamente, não acarretariam nenhum ônus significativo.

A conseqüência mais perceptível destes reveses é a redução do número de montagens de ópera. No ano passado chegou-se anunciar para a edição deste ano o “Don Carlo”, de Verdi, “A Filha do Regimento”, de Donizetti, e “Andrea Chenier”, de U. Giordano. A solução para evitar os buracos acarretados com estes cortes foi a programação de uma série de concertos e recitais líricos que, à parte o interesse artístico que eles suscitam, constituem um corpo por vezes estranho em um festival de ópera.

Mas à parte as turbulências na esfera burocrática o FAO traz este ano diversos espetáculos que valem a pena serem conferidos. Entre montagens de ópera e concertos, a capital manauense torna-se a própria capital da música clássica brasileira.

Ópera soviética no calor da floresta

Apesar do número diminuto de espetáculos operísticos, este ano festival proporciona ao seu público a estréia de dois títulos, um em âmbito nacional e outro internacional. Somando-se a montagem original de “O Navio Fantasma”, de Wagner, que o FAO incumbiu ao diretor alemão Christoph Schlingensieff, o evento leva pela primeira vez aos palcos brasileiros Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk”, do compositor russo Dmítri Shostakóvitch.

Composta nos primeiros anos da década de 1930 (quando Shostakóvitch contava apenas com 24 anos), a ópera tornou-se um marco na história da música não apenas pelos méritos artísticos de sua sofisticada escritura musical, mas também pela repercussão política que ela suscitou.

Por conta das críticas latentes às contradições da vida e governo soviéticos – bem como a uma evidente caricaturização de seu líder, Stálin, por meio de um dos personagens da ópera – Shostakóvitch foi publicamente repreendido por meio do artigo “Caos em lugar de música” publicado no jornal oficial Pravda. Parte da autoria é atribuída ao próprio Stálin, e os efeitos desta repreensão à carreira do compositor seria o ponto de partida de um conflito entre as duas maiores personalidades da URSS de então que seria acompanhada com interesse pelo ocidente.

No festival esta difícilima ópera será conduzida por Luiz Fernando Malheiro, e terá como protagonistas o baixo Oleg Melnicov e a soprano brasileira Eliane Coelho, que desde o ano passado se dedica ao estudo do idioma russo para conseguir voz à densa Katerina Izmáilova. Trata-se de uma oportunidade a alta complexidade musical e cênica desta que é uma das grandes óperas do século XX.

O lírico e as lendas do Amazonas

Outra ocasião importante prevista no FAO deste ano é a estréia mundial da ópera “Poranduba”, de compositor Villani-Côrtes (leia matéria acima). “Poranduba” nasceu a partir de uma prosposta realizada, em 1995, pela escritora Lúcia Pimentel Góes, autora que se dedica intensamente ao estudo e à produção de literatura infanto-juvenil. Foi a partir desta atividade que Góes entrou em contato com diversas estórias e lendas amazônicas, que um dia resolveu colocá-las em forma de um libretto de ópera. Poranduba é contador de histórias que guiará o público por entre as espessuras mágicas da floresta amazônica, seus seres e seus povos.

A improbabilidade de uma ópera brasileira ser estreada fez com que Villani só recentemente finalizasse a orquestração da partitura. Antes da proposta do FAO em encená-la, a música existia apenas em forma de canto e piano, da qual apenas algumas árias eram interpretadas em concertos de câmara.

A estréia de óperas brasileiras é um passo importante, mas, infelizmente, ainda raro (recentemente, apenas a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo levou adiante um projeto destas dimensões, com “A Tempestade”, de Ronaldo Miranda). Certamente é um dos caminhos que o FAO poderia percorrer com muita desenvoltura. Para isto, é necessário apenas dar as condições para a caminhada.

Serviço
XI Festival Amazonas de Ópera
- 20 de abril, 21h, Espetáculo de Abertura.
- 22 e 25 de abril, “O Navio Fantasma”, de Richar Wagner.
- 25 e 26 de abril, concerto com a Orquestra Petrobrás Sinfônica.
- 29 de abril, concerto “Homenagem a Maria Callas”.
- 6, 8 e 13 de maio, “Lady Macbeth do Distrito de Mtzensk”, de Dmítri Shostakóvitch
- 15 de maio, “A Sagração da Primavera”, balé de Igor Stravínski, com a Cia. de Dança do Amazonas.
- 16 de maio, concerto lírico com baixo Oleg Melnicov.
- 20, 22 e 24 de maio, “Poranduba”, de Edmundo Villani-Côrtes.
- 26 de maio, concerto de encerramento com a soprano Nuccia Focile.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]

Um comentário:

Unknown disse...

Falando de ópera brasileira, Leo, você diz que apenas a Banda Sinfônica estreou "A Tempestade" no Teatro São Pedro. Houve também "Olga", do Antunes, no Municipal. A ópera é um porre, ça va sans dire, mas foi a estréia de um título brasileiro numa grande casa de espetáculos. E digamos que a prima assoluta do "Caixeiro da Taverna", do Bernstein Seixas, foi no Rio; mas a estréia paulista tem também seu significado. É uma pena que, neste ano, em que se prepara a estréia de "Poranduba" em Manaus, tenha sido cancelada a apresentação do "Anjo Negro", de J. G. Ripper, que teria equivalido a uma reestréia, pois ela teria sido feita em versão revista, com a orquestração ampliada para as dimensões do fosso do TP.