12 abril 2007

Um Brasil cheio de frescor*

Em sua estréia em Paris, Minczuk desvela, sem ufanismos, o Brasil sinfônico.

* Escrito por Tatiana Catanzaro, desde Paris (França), em colaboração especial para a Gazeta Mercantil

No último dia 5 quem compareceu ao Théâtre des Champs Elysées teve a oportunidade de se deparar com uma visão absolutamente original e sem nenhum ufanismo de um Brasil sinfônico cheio de frescor de vitalidade. Tratava-se da estréia parisiense do maestro brasileiro Roberto Minczuk à frente da Orquestra Nacional da França (cujo regente titular é o mentor musical de Minczuk, o maestro Kurt Masur).

Dentro desse ideário, as duas peças de caráter mais brasileiro (“O Boi no Telhado” de Darius Milhaud e o “Uirapuru” de Heitor Villa-Lobos), faziam supor um tom absolutamente nacionalista e sem muita vivacidade. As obras circundaram o imaginário dos Années Folles de Paris, uma escolha histórica que trazia, lado a lado, estéticas tão distintas quanto Igor Stravinsky e Francis Poulenc. Mesmo assim, o concerto teve uma forte unidade estética: a do ecletismo. Foi este aspecto que marcou a interpretação de todo do espetáculo.

A abertura do concerto ficou por conta do famigerado “Boi” de Milhaud [na foto à esquerda], escolhido provavelmente não apenas por representar a idéia de um francês sobre o Brasil, como por ter tido a sua estréia em 1920 exatamente no mesmo teatro. Essa obra mostrou, ao agregar uma orquestra de franceses e um regente brasileiro, a alquimia exata de uma execução, se não perfeita (por haver pequenos problemas de afinação e de precisão dos ataques), extremamente rica: o olhar estrangeiro de toda uma orquestra (que, com a falta da malícia do gingado dos ritmos sincopados brasileiros, gerou o estranhamento necessário frente à obra), fundido às cores límpidas e cheias de volumes impressas pela maestria da regência de Minczuk.

A segunda peça, “Concerto para dois pianos e orquestra” de Poulenc [foto à direita], contou com o toque excepcional das irmãs Labèque. Impressionante o grau de fusão entre a forte concepção estética das pianistas e da orquestra, o que demonstra a sensibilidade acurada do maestro em captar o mundo que elas criaram para Poulenc e retransmiti-lo para os demais músicos. Uma interpretação extremamente delicada das irmãs, que demonstraram não apenas conhecer a obra, mas ter-se realmente apropriado dela como se fosse já parte delas mesmas. Uma compreensão profunda e amadurecida de todo o seu significado musical: seus fraseados sutis, as diversas sonoridades extraídas do piano para garantir os diversos estados de espírito, as duas pianistas quase como uma só a quatro mãos. O relevo, se no “Boi” foi dado pelos diversos coloridos extraídos da orquestra, nessa peça foi dado pelas solistas, a orquestra permanecendo mais monocromática, num equilíbrio genial alcançado por Minczuk.

O esplendor da orquestra alcançou seu auge com o “Uirapuru” de Villa-Lobos [foto à esquerda]. Apesar de Villa ser o compositor mais evidente na escolha do repertório, a eleição da peça, pouco conhecida mesmo entre os brasileiros, deu um novo significado à presença de Villa-Lobos no concerto. A orquestra pode deleitar-se em seus inúmeros solos orquestrais, graças à grande liberdade sustentada por Miczuk que, apesar de imprimir fortemente a sua visão sonora da peça, manteve o espaço para que cada um dos solistas pudesse expor, igualmente, suas próprias visões, seus tempos, seus rubatos, seus fraseados. Essa simbiose gerou uma flutuação delicada e trouxe ao Uirapuru uma leveza e uma clareza peculiares.

“O Pássaro de Fogo”, de Stravinsky [foto à direita], fechou o concerto dignamente, embora um pouco ofuscado pela lembrança do “Uirapuru” e das irmãs Labèque. De toda forma, uma ótima execução, com grande vitalidade, mesmo que também com problemas de precisão nos ataques (problema este que percorreu pontualmente todo o concerto).

O público saiu, certamente, com uma visão positiva do Brasil, tanto por causa do refinamento da concepção trazido pelo regente quanto por causa da escolha hábil do repertório do concerto. Sutilmente, através de um repertório relativamente previsível, Minczuk conseguiu trazer à tona, de forma paradoxal, a questão do que é realmente o Brasil e da idéia que outras culturas fazem do Brasil, e mostrar, assim, um Brasil sem exotismo, sem ufanismo, e cheio de vigor.

[Texto escrito por Tatiana Catanzaro. Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!!!]

Um comentário:

Anônimo disse...

Após uma certa ausência, volto a visitar estas páginas. Gostei da entrevista com o Minczuk e da crítica diretamente de Paris! Abraço e parabéns, Leandro. P.S.: Acho que vou assinar para saber das atualizações por email. É grátis mesmo?