20 abril 2007

A ópera sob o ecletismo brasileiro

XI Festival Amazonas de Ópera estreará obra de Edmundo Villani-Côrtes

Hoje, inicia-se em Manaus o XI Festival Amazonas de Ópera (FAO). Entre diversos espetáculos, algo de suma importância para a nossa cultura musical: a estréia encenada de uma ópera composta por um compositor brasileiro em plena atividade criativa. Trata-se de “Poranduba”, de Edmundo Villani-Côrtes (ver detalhes na matéria abaixo).

Aos 76 anos de idade, Villani (como é conhecido) é, até hoje, um incansável artesão da música. Em sua agradável casa na zona norte paulistana os armários e estantes de seu estúdio estão abarrotados de partituras que ele produziu ao longo de décadas de intensa atividade musical.

Com um estilo musical todo próprio – que mistura elementos da música clássica universal ao da música popular urbana brasileira – Villani faz questão de chamar sua arte de “simples e despretensiosa”. Curiosamente, talvez tenha sido justamente esta desprentensão que, por fim, faz de Villani um dos compositores brasileiros vivos mais tocados na atualidade. Suas músicas são regularmente executadas em concertos e podem ser encontradas em diversos CDs lançados nas últimas décadas (o mais recentemente é o álbum que o Grupo AUM gravou, incluindo a obra “Postais Paulistanos”, vencedora de um APCA).

Natural de Juiz de Fora (MG), Villani é músico eclético, respeitadíssimo tanto como músico popular como compositor erudito. Ainda muito jovem foi estudar piano Rio de Janeiro, onde estava longe de se encaixar no perfil padrão do Conservatório Brasileiro de Música. Além de sequer possuir um instrumento onde pudesse estudar (em casa, era obrigado a digitar as peças sob uma mesa comum), Villani atravessava as madrugadas tocando na noite carioca.

Esta dupla existência musical conferiu ao jovem compositor uma habilidade criar músicas de diversos climas e estilos musicais, algo fundamental em sua ampla produção como arranjandor de TV, tendo trabalhado para Tupi, Globo e no SBT, onde foi o primeiro pianista do conjunto musical do talk-show de Jô Soares.

em São Paulo, paralelamente à vida prática da música, Villani ingressou como professor no departamento de música da Unesp, onde viria se aposentar na década passada. Mas aposentadoria definitivamente é uma palavra que não combina com este artista, tendo em vista que em sua escrivaninha há, empilhadas, uma série de músicas em franco processo de elaboração.

É na expectativa da primeira encenação de sua ópera “Poranduba”, no XI FAO, que Villani recebeu a Gazeta Mercantil para um descontraído bate-papo musical.

Em sua linguagem composicional você freqüentemente utiliza elementos música popular brasileira, e muitos o associam à corrente Nacionalista, tendo inclusive sido aluno de Camargo Guarnieri. Afinal, como você entende sua música?

A composição pra mim sempre foi apenas um meio de me expressar. E ao ouvir as músicas dos outros, algo que gostasse, sempre desejei em fazer algo parecido ou mesmo melhor. E aí me dedicava a estudar, a entender aquela música. Talvez seja uma atitude quixotesca de minha, mas acontece que o que componho é o resultado de uma necessidade de expressão. Algumas vezes esta forma de expressão me leva a fazer uma música mais dissonante em função daquilo que quero expressar. Às vezes faço uma coisa muito simples. Mas nunca fui de prender-me a uma escola. Em relação ao Nacionalismo, nunca estudei nada de folclore, nunca pesquisei nada e não me considero um Nacionalista. Se eventualmente os recursos que utilizo coincidem com esta escola é algo puramente casual. E mesmo meu relacionamento com Camargo Guarnieri foi muito breve. Tive poucos meses de aula como ele, pois tive que interromper meus estudos para ganhar a vida como pianista de música popular.

Como você vê as tendências da música de vanguarda da atual?

Eu me vejo de uma maneira muito simples. A pessoa que tem talento é que nem erva daninha: você corta aqui, ela nasce logo adiante. Não adianta querer destruí-la. Quando a pessoa tem talento ela pode fazer qualquer tipo de música. Não tem estilo que vai limitá-la. Tem compositores que como não têm muito o que dizer abraçam a composição apenas como status cultural, ficam se preocupando em achar qual escola está na moda. Acho inclusive que existe muita gente fazendo isto.

O que tinha em mente ao compor a música para “Poranduba”?

Acho que o mais importante é que a música que coloquei nesta partitura é uma visão minha, particular e imaginada de música amazônica. Eu não ia cometer a loucura de entrar na floresta, ouvir os cantos da Amazônia e viver na floresta para pode fazer uma ópera, pois de jeito algum iria conseguir entrar no verdadeiro espírito de um indígena. O índio que coloquei nessa ópera é um índio que tenho dentro de mim, e vou fazer a música deste índio do meu jeito. Podem até me acusar de que infidelidade ao material folclórico, mas é também falso pegar um material destes e fazê-lo de uma forma diferente da originalmente realizada por estes povos. Procurei extrair um primitivismo de mim mesmo, e acho que foi mais ou menos isto que Stravínski fez com a “Sagração da Primavera”, isto é, baseado mais nas vivências pessoais dele do que de fato realizado utilizando materiais provenientes dos povos antigos aos quais o balé se refere.

Foto: Romualdo Ribeiro.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]

Um comentário:

Anônimo disse...

eu queria muito ter visto o navio fantasma e ver lady macbeth. beijos, pedrita