Pouco depois das dez da manhã de um domingo ensolarado já havia uma intensa movimentação no Theatro Municipal de São Paulo. Na escadaria do prédio o vendedor de doces e cambista dizia a uma senhora: “concerto que nem o de hoje não tem mais ingresso não”. Desolada, a senhora continua no boca-a-boca sua busca por um ingresso.
Não seria uma tarefa fácil, pois o que em poucos minutos seria levado ao palco é uma das mais importantes obras da história de música universal e uma das que mais arrasta audiências para as salas de concertos brasileiras, isto é, a “Sinfonia No. 9,
E não foram poucas as apresentações. No ano passado testemunhou-se uma verdadeira avalanche de “Nonas” com diferentes orquestras brasileiras nos mais diferentes cantos do país. Seja na versão integral, ou apenas com seu famoso “Ode à Alegria”, a obra máxima de Beethoven continua a ser uma das prediletas do público brasileiro.
O sublime em música
Composta entre os anos de 1818-
Apesar de um sem número de trabalhos acadêmicos dedicados a esta obra prima, não é possível identificar uma causa única ao seu sucesso. É o que defende o músico e pesquisador Daniel Bento, autor de um dos poucos livros dedicado a Beethoven escrito e publicado por um brasileiro. “A ‘Nona’ é um dos mais expressivos exemplos de peça apreendida por seus contempladores em qualquer nível de fruição que se esteja disposto a adotar. Ou seja, proporciona ao músico um trabalho infinito de descoberta; mas também garante uma experiência inigualável ao ouvinte que simplesmente aprecia Beethoven sem saber por quê”.
Este amplo apelo da peça refletiu-se no heterogêneo público que lotou o Municipal paulista domingo passado, ocasião na qual a “Nona” foi interpretada pela Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, conduzida pelo maestro José Maria Florêncio.
Arte para todos
“Abraçai-vos, milhões!”. Este é um dos versos de Friedrich Schiller (1759-1805) que Beethoven utilizou em um dos movimentos da peça. Literalmente, as apresentações da obra congregam pessoas dos mais diferentes perfis, desde o músico profissional até aqueles que estão iniciando na apreciação musical. Muitos destes adoradores da “Nona” perseguem, em grupo, as mais diferentes apresentações, contrastando as versões ao vivo com alguma gravação que lhes sejam caras (as que o mítico maestro Hebert von Karajan realizou na década de 60 é ainda uma das mais citadas).
Já nos corredores do teatro, um grupo de adolescentes esperava com ansiedade para o início do espetáculo. “O grêmio da escola ficou sabendo do concerto e resolveu organizar uma excursão”, diz o estudante secundarista Tiago Siqueira, admirador confesso desta sinfonia a ponto de cantarolar um pequeno trecho da obra, que veria ao vivo pela primeira vez. Ele e mais algumas dezenas de jovens percorram de ônibus os
Entretanto, não só de marinheiros de primeira viagem estava tripulada a nau beethoveana. Figura sempre presente nas salas de concertos Irene Fuhrmeister confessa ser fã da obra. “Semana passada fui ver a Osusp tocar esta peça e estou aqui para ouvi-la novamente. É uma obra muito querida para mim”.
Outro veterano em “Nona” que prestigiava esta apresentação foi o maestro Abel Rocha. Regente da Banda Sinfônica do Estado e do Coral Collegium Musicum, só no ano passado Rocha preparou seu coro para cantar a “Nona” em sete apresentações diferentes. “É uma peça que sempre atrai muita gente” diz o maestro, instantes antes de presenciar mais uma apresentação da obra (agora apenas enquanto público).
Desafio profissional
Após a empolgante apresentação - apesar de musicalmente irregular (sincronia, cortes, coesão tímbrica entre os naipes...) - público, instrumentistas, cantores e solistas se acotovelavam nos estreitos corredores dos camarins do Municipal. No fundo, todos estavam lá para se confraternizar. Somando-se ao maestro, os solistas do quarteto vocal previsto na partitura eram os alvos mais assediados para as congratulações da audiência. O tenor Fernando Portari, que há anos participa das principais montagens desta obra no Brasil, exclamava entusiasmado “estou pronto pra outra!”. Quando questionada se já não enjoara de cantar tantas vezes a obra a soprano Rosana Lamosa afirma com alegre serenidade: “Cada apresentação é diferente. Sempre acontece uma coisa nova”. Outro veterano na “Nona”, o baixo Lício Bruno recebia os cumprimentos, que dias antes recebeu ao se apresentar com a mesma peça em Bogotá, na Colômbia.
Todos se lembram com emoção de sua primeira vez com a “Nona”. E domingo passado era esta a situação da mezzo Denise de Freitas. “É emoção muito grande, todo aquele público cantarolando com você, te olhando emocionado”. Sua colega Gabriela Pacce, que recentemente também estreou como solista na peça, fez coro aos sentimentos de Denise.
Apesar de uma análise mal-humorada nas temporadas dos últimos anos fazer parecer até tediosa a presença tão constante desta peça, basta que as primeiras notas da peça ressoarem pelo teatro para, então, termos novamente a certeza que cada escuta da “velha Nona” é sempre um experiência única e renovadora.
Ilustrações: 1) Retrato de Beethoven; 2) Manuscrito da Sinfonia No. 9.[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]
5 comentários:
é uma bela sinfonia mas é repetida continuamente. beijos, pedrita
ah, a nona! grande beethoven... sem palavras... neste caso, vou de coro: fa-fa-sol-la la-sol-fa-mi re-re-mi-fa fa-fa-mi-mi... ;)
falei do cd do zampronha no meu blog. beijos, pedrita
Li e reli com interesse este seu artigo. Um grande abraço, foi um prazer
Conheci seu blog através da revista concerto... Parabéns...
Gostei muito deste comentário.
A Nona sinfonia é algo assim mesmo, inesquecível. Uma das maiores invenções de todos os tempos... Somos invencíveis depois de ouví-la !
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