04 março 2007

Entrevista: John Neschling

Completando nesta temporada 60 anos de idade, John Neschling – regente e diretor artístico da Osesp – não dá sinais de cansanço. Pelo contrário. Quando o assunto é Osesp ele tende sempre a falar em longo prazo, pois “sempre há muito o que fazer”. Foi durante os preparativos de mais uma turnê internacional com sua orquestra que Neschling concedeu a seguinte entrevista ao Fim-de-Semana (caderno da Gazeta Mercantil).

Por Leonardo Martinelli

Como você avalia esta década de trabalho junto à Osesp?

Na verdade foi um grande privilégio, pois ter a oportunidade de construir uma orquestra do zero é algo muito difícil, que só acontece uma vez na vida. Sempre desejei fazer isto em minha carreira, seja lá qual fosse o lugar do mundo. Fico ainda mais contente em estar fazendo isto numa orquestra de meu país.

Depois do trabalho que realizou com a Osesp, o que mais ambiciona para sua carreira?

Eu quero é a Osesp. Carreira não significa nada. Na verdade, a boa carreira significa o prazer de trabalhar com boa música, de você ter uma orquestra que responde a seus anseios, que ela seja um terreno fértil a ser cultivado. O que se pode querer mais na vida? Lógico que sempre é possível ir mais adiante, pensar em outras coisas, mas no momento me dedico somente à Osesp.

O que ainda não conseguiu fazer com a Osesp, seja administrativamente ou musicalmente?


Se analisarmos bem, tudo ainda está no começo. E mesmo a consolidação da Osesp enquanto OS [“organização social”, status que agiliza a burocracia de uma instituição pública em relação ao Estado] é algo muito recente. Mas o que procuramos é mais fluência em nossos processos administrativos e uma melhor segurança financeira. Musicalmente, é um caminho eterno de coisas por fazer, de aprimoramento, e nestes termos ainda somos nenês, se tivermos em mente que as grandes orquestras do mundo têm mais de cem anos de existência.

Dentro do trabalho musical da orquestra, o grupo se realiza melhor no repertório musical do século XIX em diante (algo que fica claro inclusive na programação das temporadas). Quais são os desafios de um grupo ao se debruçar em um repertório como este?

O grande desafio é tocar melhor. Não há nunca limite para tocar bem. Mesmo certas músicas que tocamos muitas vezes, e podemos até achar que não dá pra tocar melhor depois da enésima vez, sim, dá pra sair melhor, muitas vezes só depois da enésima vez. Por outro lado, há um grande desafio que é a exploração de um repertório ainda muito desconhecido, tantos de compositores consagrados como daqueles que ainda estão por ser melhores divulgados. E parte deste novo repertório está na própria música brasileira, que também fazemos em nossas temporadas.

Você já esteve no palco incontáveis vezes, mas dentre todas, há algum concerto que considere memorável?

Tenho vários concertos que considero memoráveis, tanto musicalmente como historicamente. A “Sinfonia No. 2”, de Mahler, que tocamos na inauguração da Sala São Paulo foi um deles. Também de Mahler, incluo a “Sinfonia No. 6” que fiz com a Osesp no Teatro Colón, em Buenos Aires. E, é claro, “Il Guarany”, de Carlos Gomes, cujo papel protagonista foi cantado por Plácido Domingo.

A propósito, Gustav Mahler é uma presença constante nos concertos que rege. Podemos falar de predileção?

De certa forma sim, pois eu tenho uma relação muito íntima com a Viena do século XIX. Fui para esta cidade estudar música e lá cresci ouvindo Mahler e Richard Strauss. Tenho tamanho gosto por esta música que programamos para o ano que vem a monumental “Sinfonia No. 8” de Mahler [também conhecida por “Sinfonia dos Mil”, referência à enorme quantidade de músicos que sua execução demanda].

Quais são as delícias da vida de regente, e quais são os infernos pelos quais também tem que passar?

As delícias vêm ao ultrapassar os 60 anos, e o inferno é chegar até ele.

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!!!]

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