Romance de Andrei Makine narra o terror na vida de um pianista que sobrevive à perseguição de Stálin.
São apenas algumas dezenas de páginas, mas a suposta concisão que isto possa indicar não é a característica mais marcante do romance “A música de uma vida”, de Andrei Makine (Cia das Letras, 90 págs., R$ 28), recentemente lançado no Brasil. Originalmente publicado em 2001, o livro narra as desventuras de Aleksei Berg, personagem que na adolescência, às vésperas de seu début como pianista, vê sua trajetória de vida interrompida pela perseguição que a ditadura de Stálin então impôs aos inimigos do Estado.
Numa época em que a desconfiança e a paranóia reinavam absolutas na nação soviética qualquer coisa poderia ser motivo para uma perseguição, e com tênue ironia o autor faz com que justamente a música, mais precisamente a presença um violino, seja o elemento que decidirá a malfada sorte do casal Berg e de seu filho Aleksei, que foge da capital Moscou em busca do abrigo nos confins da Ucrânia, às vésperas da ofensiva nazista. A angústia da repressão, da fuga e do exílio é algo que Andrei Makine é experimentado: russo de nascimento, em 1987 ele pede asilo político na França, onde desde então vive e escreve na língua local.
Vocação musical, guerra e perseguição. O enredo em si há muito de comum as memórias de Wladislaw Szpilman, rearranjadas no romance “O Pianista” (que em 2002 inspirou o filme de Roman Polanski). Entretanto, a personagem de Makine não é um herói trágico no sentido clássico, aquele que luta pela sobrevivência para, um dia, voltar a trilhar o caminho perdido.
Pelo contrário, o protagonista Aleksei vê-se obrigado a adotar a identidade de um soldado – verdadeiro antípoda do artista – e seu passado musical se esvai a ponto de se transformar numa memória alheia. Mesmo quando há oportunidades de reviver a música de sua vida, Aleksei nada faz. Não por prudência, mas sim porque a música faz parte da vida de uma outra pessoa, da qual apenas alguns ecos ainda ressoam em seu interior.
A antiga vocação volta à tona apenas em um ápice de angústia e humilhação. Porém, isto não significa o resgate de uma existência não vivida, pois a mensagem do livro é clara: em meio ao horror, não há como trilhar os caminhos perdidos. Resta apenas percorrer os caminhos possíveis.
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