Em festa patrocinada por gigante financeiro, orquestra de jovens se apresentou com o pianista prodígio chinês Lang Lang.
O ambiente estava mais para uma festança do que para um concerto propriamente dito: o tapete estendido na entrada da Sala São Paulo e as top models que orientavam o público eram apenas as arestas de uma maciça ação de markenting da UBS (união de bancos suíços), que tem a Orquestra do Festival de Verbier (VFO) como a peça central deste tabuleiro publicitário.
Integrada por jovens instrumentistas de diversos países – em sua grande maioria, europeus e norte-americanos – a VFO consegue despertar bastante interesse por suas qualidades musicais, apesar de nem sempre seus “clientes” estarem muito interessados para o que se passa no palco.
Em sua turnê pela América Latina, regida pelo maestro tcheco Jirí Belohlávek, o grupo trouxe consigo uma das maiores sensações do universo fonográfico clássico da atualidade, o pianista chinês Lang Lang.
Menino prodígio, atualmente em seus 23 anos, Lang Lang tem em sua carreira vários prêmios de concursos internacionais obtidos quando ele ainda era adolescente. Lang Lang já tocou e gravou acompanhado por importantes orquestras e regentes (atualmente é um dos protegé do talentosíssimo Daniel Barenboim) e sua mais recente conquista é um contrato de exclusividade com o prestigiado selo Deutsche Grammophon.
Por tudo isto a apresentação de Lang Lang – que no concerto com a VFO interpretou o famigerado “Concerto No. 1, Opus 23” do compositor russo Piotr Tchaikovsky – estava precedida de uma natural ansiedade por parte do público. Tanta ansiedade pôde até induzir a apreciação do público geral, mas para os ouvidos atentos ficou evidente que Lang Lang, apesar de seu indiscutível talento, ainda está por superar o estágio de “jovem promessa”, cheio de força e rapidez nas pontas dos dedos, para de fato tornar-se um pianista com idéias musicais interessantes.
Sua interpretação do Concerto de Tchaikovsky baseou-se, via de regra, na execução de alguns rubatos (isto é, aceleração e desaceleração do tempo musical, em geral não indicados na partitura) e numa personalíssima extrapolação das indicações de dinâmicas e acentos que ainda está por se explicar. Além disto, Lang Lang extraiu do Steinway sonoridades de uma percussividade anacrônica, mais próxima de um repertório Moderno do que do Romantismo, tal como é o caso da obra de Tchaikovsky.
Pode ter sido problemas com piano? Pouco provável, pois em um de seus três bis (no caso, o “Noturno Op. 27, No. 2” de Chopin) Lang Lang conseguiu obter sonoridades suaves e delicadas. Sobre sua interpretação, vale notar as enormes diferenças desta mesma obra por ele gravado no álbum sob a regência de Barenboim. Enfim, são segredos de estúdios e mistérios da vida que só o passar tempo mostrará qual será o Lang Lang que Lang Lang escolherá para si.
Na segunda parte do concerto a VFO pôde, enfim, mostrar as suas principais qualidades. A garra e o talento dos jovens músicos foram decisivos para que a execução da “Sinfonia No. 7, Opus 70” de Antonín Dvorák fosse, enfim, o ponto alto da noite. Com os naipes dos violinos distribuídos à esquerda e à direita do maestro (em geral, eles ficam à esquerda) o grupo soube explorar melhor a espacialidade inerente à partitura do compositor tcheco.
Com boa afinação, um naipe de cordas conciso e sopros bem balanceados ao conjunto, as eventuais imprecisões de ataque e conclusão de fraseados nem de longe foram um fato comprometedor ante a tamanha energia contida em cada músico. Aí, enfim, a música em sua faceta mais simples, e por isto genuína, pode ser feita em um ambiente um tanto alheio ao que se passava no palco.
[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]
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