09 setembro 2005

A vida entre a mediocridade e o onírico

O Japão além dos sushis de Haruki Murakami.

Não há gueixas, nem luta de samurais com espadas afiadas ou cerimônias religiosas em templos milenares. Ao invés disso, há prostitutas de alto padrão, empregos tediosos e uma estranha culinária à la “tofu com pizza”, sempre regada a muita cerveja e whisky.

Atualmente com seus 56 anos, o escritor japonês Haruki Murakami vem desde a década de 1980 ambientando seus romances no Japão da atualidade, um país industrializado imerso num esquema social “altamente capitalista”, como ele mesmo faz questão de ressaltar. Seus personagens são seres que vivem sob a brutal opressão deste sistema, materializada em forma de uma terrível solidão, potencializada pelo estilo de vida caótico e impessoal dos grandes centros urbanos, como Kobe e Tóquio. A ambientação está mais próxima do filme “Encontros e desencontros” (dirigido por Sofia Coppola) do que do Japão “cidade cenográfica” dos filmes de artes marciais.

Como, no entanto, é possível continuar a vida numa sociedade tão hostil e ainda assim tentar ser feliz? Dançando! “Enquanto a música estiver tocando, você deve continuar a dançar”, é o mote de um dos mais recentes lançamentos do escritor no Brasil, a epopéia particular de um narrador sem identidade em “Dance dance dance” (Estação Liberdade, 503 págs., R$ 58, Tradução do japaonês Lica Hashimoto e Neide Hissae Nagae), lançado originalmente em 1988.

A história tem como ponto de partida o estado de coisas que encerra uma outra obra de Murakami, “Caçando Carneiros” (Estação Liberdade, 335 págs., R$ 39), último livro da chamada “Trilogia do Rato”, dos quais os demais títulos – “Ouça o cantar do vento” e “Pinball 1973” – ainda permanecem sem tradução para o português.

Em “Dance dance dance” a história volta a se desenvolver do ponto de vista de um narrador anônimo – um desanimado escritor free-lancer que qualifica seu próprio trabalho como o de um “limpador de neve cultural”, isto é, o que faz aquilo o que ninguém quer fazer. Porém, com um agravante: o protagonista tem plena consciência que, ao contrário de um limpador de neve verdade, ninguém o notará caso ele deixe de fazer seu serviço.

A partir dos constantes chamados que a prostituta Kiki realiza em seus sonhos, nosso anti-herói nipônico volta a um dos palcos de “Caçando Carneiros”, isto é, a cidade de Sapporo e seu decadente e misterioso Hotel Golfinho, que doravante se encontra totalmente modificado, engolido pelos confortos que o capitalismo e a corrupção modernas podem proporcionar.

Neste “novo” hotel, novos personagens entram na vida do escritor: uma bela e um tanto neurótica recepcionista e uma adolescente para-normal às voltas com uma mãe famosa e extremamente relapsa, que a esquece no hotel. Há também o re-encontro com um velho conhecido, o bizarro “homem-carneiro”, que se encontra confinado num quarto escuro e mofado escondido numa dimensão onírica do hotel. É dele o conselho de não parar de dançar – a dança como metáfora da própria vida é algo existente em diversas tradições orientais – pois é somente por meio dela que, talvez, seja possível alcançar a felicidade. Talvez.

Enquanto tenta “dançar” (pois sempre paira a dúvida se está dançando direito), o protagonista vaga nas ruas congestionadas de Tóquio e Honolulu, no Havaí, ao som de bandas como Beach Boys e Rolling Stones. Re-encontra um antigo colega de classe (hoje um famoso ator de cinema e comerciais) e conhece outras garotas de programa. Entre a espera compassada do passar vida, mortes e assassinatos acontecem. Mas se enganará quem ver estes fatos como elementos de uma trama de suspense. A morte é apenas como mais um elemento ordinário de uma existência em que, de um lado, está a realidade e mediocridade do cotidiano, e de outro, a dimensão mítica e divina destinada a cada ser humano, que mesmo sem saber porquê, continua em sua busca pela felicidade.
Acompanhando o lançamento de “Dance dance dance” está a tradução de “Norwegian Wood” (Objetiva, 356 págs., R$ 49), que junto com “Minha querida Sputnik” (Objetiva, 236 págs., R$ 34,90) encerram o incompleto rol de obras de Murakami disponíveis em português, um dos autores mais vendidos no Japão e com ampla aceitação nos EUA, onde já se encontra disponível seu mais recente romance, “Kafka on the shore”. Por aqui, fica a espera ansiosa de mais traduções do samurai pós-moderno da literatura internacional.

[Publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição, sem revisão!]

2 comentários:

Anônimo disse...

fiquei curiosa, valeu. beijos, pedrita

Simone Iwasso disse...

definitivamente vc é dos meus, foi fisgado pelo universo do murakami -no qual, na minha opinião, ocidentais ou orientais, estamos todos nós, pessoas do mundo moderno, retratados em nossas buscas e conflitos.

eu terminei de ler the elephant vanishes, um do livros de contos dele. é genial, como os outros.

beijo!