22 outubro 2007

A música e a Igreja: entre a liturgia e o entretenimento

Afinal, qual é a função da música na Igreja? Ou melhor, qual o papel que a música deve desempenhar na vida religiosa na contemporaneidade? O tema em questão é o que desenvolverei no próximo domingo na palestra "A Música e a Igreja: entre a liturgia e o entretenimento", que contará com culto com serviço musical e um debate sobre os pontos levantados em minha exposição. Abaixo as descrições e informações gerais. Até lá!

Descrição da palestra:

Desde os primórdios do cristianismo a música está estreitamente relacionada com sua liturgia e cotidiano.

Se em um primeiro instante a música mostra-se como um poderoso meio devocional, é inegável o fato de que, com o passar do tempo, ela se transformou na peça central do “espetáculo litúrgico” que veio caracterizar boa parte dos cultos cristãos desde a Idade Média.

Sacro e profano, ritual e espetáculo, evangelização e entretenimento, devoção e profissionalização são alguns dos antagonismos presentes na relação entre a Igreja e a música.

É sobre esta relação que a palestra abordará aspectos de seus precedentes históricos, bem como suas implicações na contemporaneidade.

Tópicos da palestra:
- A música nos primórdios da Igreja Cristã.
- A música e a Reforma Protestante.
- A música da Igreja e seus estilos.
- Música e cultura “pop” e a sua relação com a Igreja.

Participantes:

- Palestrante: Leonardo Martinelli (compositor e professor).
- Debatedores: Samuel Kerr (maestro), Ricardo Barbosa (maestro) e Celso Mojola (compositor e professor).
- Músicos: Teresa Longato (maestrina) e Coral da Igreja da Paz e Ricardo Barbosa (maestro) e Madrigal Voz Ativa.

Informações gerais:
- Evento gratuito
- Emitirá certificado de participação aos presentes
- Número de vagas: 400
- Inscrições: pelo e-mail igrejadapaz@uol.com.br e pelo telefone (11) 5181-7966
- Local: Igreja da Paz, Rua Verbo Divino, 392, Granja Julieta, São Paulo, SP.
- Horários: 28 de outubro de 2007, domingo, às 10h (início do culto) e às 11:30 (palestra seguida de debate).

11 outubro 2007

Mestres e discípulos

Em iniciativa inédita, recitais com grandes pianistas brasileiros serão abertos por jovens talentos.

Diz o senso comum que o Brasil é uma terra de grandes pianistas, idéia corroborada pelos grandes nomes do passado e do presente que, nascidos em terra brasilis, fizeram fama e carreira mundo afora. Mas, paradoxalmente, da mesma forma que por muito tempo nossos melhores grãos de café eram raramente apreciados pelo consumidor nacional, a maioria de nossos melhores pianistas ainda hoje estão destinados à fruição do público estrangeiro. Com sorte, provamos um pouco de sua arte quando eles se apresentam acompanhados por orquestras, ou na terminologia barista, machiato, diluídos em meio a um grande conjunto instrumental. Raras são as oportunidades em que seja possível absorve-los de forma pura, apreciando sua sonoridade por meio de uma arte que se materializa apenas em peças solo.

É justamente este cenário que faz da série de recitais “Piano Solo”, que se inicia próxima segunda-feira, uma oportunidade rara para ouvir nomes consagrados do piano nacional. Com apresentações no Rio de Janeiro e em São Paulo, a série se inicia com o recital de Nelson Freire, seguido da apresentação de Diana Kacso (que este ano retoma sua carreira musical depois de um longo tempo afastada dos palcos), Cristina Ortiz e, por fim, Eduardo Monteiro, idealizador do projeto.

“A idéia da série está em minha cabeça há muito tempo, pois praticamente não há no Brasil uma série de especificamente de piano solo. Há muitas séries orquestrais, que de vez em quando convidam estes pianistas para concertos. É raro eles serem ouvidos no Brasil em recital solo” diz Monteiro, que além de pianista é professor deste instrumento na USP.

Foi justamente as atividades didáticas de Monteiro que fizeram ele elaborar para a série um formato praticamente único na cena clássica, fazendo com que estes recitais sejam precedidos por uma breve apresentação de jovens pianistas, todos na faixa dos vinte anos (alguns ainda realizando seus estudos). “A idéia de fazer uma abertura antes do recital tem muito a ver com meu perfil profissional, com minha preocupação com a formação dos jovens. Existem muitos talentos que se perdem inclusive por falta de oportunidades, pois se é difícil para um pianista renomado conseguir se apresentar solo, imagine para alguém que está começando”.

O formato proposto é comum na cena pop, onde os shows de grandes bandas são precedidos por aberturas de grupos iniciantes que, eventualmente, tornam-se bandas grandes, que por sua vez passam a convidar outras bandas iniciantes para abrirem seus shows, estabelecendo um círculo virtuoso que ajuda a mover a economia deste segmento. No caso da música clássica a adoção deste formato não é factível em muitos de seus tipos de espetáculos, já que a infra-estrutura de uma orquestra, ou de uma ópera, é em si grande e dispendiosa. A música de câmara é, talvez, o lugar ideal para este formato, mas mesmo assim este tipo de ação é virtualmente inexistente, dificultando ainda mais o início de carreira de um músico.

Na fogueira

Existe situação mais tensa do que subir ao palco e dar conta de todo um recital sozinho? Aparentemente não. Mas o que você acha de abrir a apresentação de seu principal mestre e mentor? Ou então tocar antes de um pianista que é considerado um dos melhores músicos da atualidade, tal como é o caso de Nelson Freire? As palavras “responsabilidade” e “honra”, precedidas por adjetivos como “grande” e “enorme” são os termos comuns que todos os jovens pianistas envolvidos no projeto utilizaram para definir seus sentimentos nestes dias que precedem suas apresentações.

Alunos do pianista Eduardo Monteiro, os jovens Leonardo Hilsdorf, Juliana D’Agostini, Cristian Budu e Érika Ribeiro terão, até o presente momento, a grande oportunidade de suas carreiras. Isto ocorre não apenas por seus nomes figurarem ao lado de músicos já consagrados, mas também pelo enorme desafio musical eles enfrentarão, já que eles escolheram para suas apresentações peças de alto nível técnico e interpretativo, que bem poderiam figurar no programa dos pianistas que estão preludiando. Não é coincidência que obras do compositor húngaro Franz Liszt – famoso pelo virtuosismo de sua escrita – estão presentes em quase todas as aberturas.

Apesar desta oportunidade de ouro, estes jovens pianistas são muito realistas quando o assunto é o desenvolvimento da carreira. “Minha vontade sempre foi poder trabalhar com música de câmara, atividade que infelizmente encontra poucas oportunidades no Brasil”, diz Érika Ribeiro, a mais experiente do grupo e que atualmente cursa mestrado como um meio adicional de sustentabilidade de carreira de musicista. A academia é um caminho que Cristian Budu também não descarta, apesar do desejo de ser concertista. Apesar dos diferentes anseios, há um objetivo comum a estes diferentes jovens, que é de fato poderem desenvolver suas carreiras e, quem sabe, terem seus recitais abertos por outros jovens pianistas.

Serviço:
> Recital de Nelson Freire, com abertura de Leonardo Hilsdorf.
Em São Paulo no dia 15 de outubro e no Rio dia 17.
> Recital de Diana Kacso, com abertura de Juliana D’Agostini.
No Rio no dia 8 de novembro e em São Paulo no dia 9.
> Recital de Cristina Ortiz, com abertura de Cristian Budu.
Em São Paulo no dia 26 de novembro e no Rio dia 29.
> Recital de Eduardo Monteiro, com abertura de Érika Ribeiro.
No Rio no dia 12 de dezembro e em São Paulo no dia 13.

Em São Paulo os recitais ocorrerão no Theatro Municipal e na Sala Promon. No Rio os recitais ocorrerão na Sala Cecília Meireles. Em ambas as cidades os recitais começam às 20:30. Os recitais têm preços diferentes por apresentação, que variam entre R$ 220 e R$ 150, sendo possível comprar o pacote com todos os concertos por R$ 400. Ingressos: Theatro Municipal de São Paulo, (11) 3222-8698 e Sala Cecília Meireles, (21) 2224-3913.


[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]

05 outubro 2007

25 anos sem o re-inventor do piano

Tido como excêntrico, mas acima de tudo genial, a arte de Glenn Gould continua insuperável.

No dia 4 de outubro de 1982 chegava ao fim a vida de um dos mais singulares e controvertidos pianista clássico. Vitimado por um derrame, com apenas 50 anos o canadense Glenn Gould ingressava na história com sua eternidade artística garantida por meio das diversas gravações que realizou ao longo de sua breve vida. Porém, mais do que discos a serem posteriormente “requentados” pelas grandes gravadoras, a verdadeira herança de Gould reside na atitude artística que suas gravações trazem implicitamente consigo.

Em meados do século XX, o barateamento dos equipamentos de entretenimento eletrônico (tais como o rádio, a televisão e a vitrola) e o desenvolvimento de uma indústria para fornecer conteúdo a esses meios foram os responsáveis pelo surgimento de diversos “pop stars” que, de uma maneira peculiar, também pulularam na cena clássica universal. Caruso, Toscanini, Callas, Rubinstein, Casals e Karajan são algumas das muitas estrelas que passaram a habitar este firmamento criado pela vendagem de discos, objetos que registravam a habilidade e sensibilidade que estes músicos faziam no palco.

Mais do que um mero registro, ao longo de sua carreira Gould fez das gravações o próprio meio de expressão artística, que especificamente em seu caso já tornariam estes registros em algo excepcional e destoante frente aos padrões interpretativos da época.

O artista por detrás da caricatura

Após mais de duas décadas de sua morte a figura de Glenn Gould continua sendo fundamental para a música moderna. Entretanto, não é de todo errado compreender a força do Gould appeal à caricatura que se incrustou em seu gênio artístico.

Não era por menos, pois mesmo em dias quentes, conta-se que Gould estava sempre a trajar pesadas vestes invernais (incluso com sua indefectível boina). Ao piano, sua postura faria arrepiar qualquer professora de conservatório: sentado em seu banquinho, muitos centímetros abaixo do padrão, o rosto de Gould quase esbarrava o teclado do piano. Não bastasse isso, ao tocar, o pianista se expandia num espalhafatoso e extravagante gestual, freqüentemente acompanhado por animadas cantaroladas (para o terror dos engenheiros de gravação).

Somando-se a estes aspectos de sua figura, a caricatura em torno de Gould seria reforçada por sua acentuada misantropia, culminada com o abandono definitivo das apresentações públicas em 1964.

Porém, à parte sua caricatura, a verdadeira razão pela qual a imagem de Gould deva ser perpetuada é sua atitude artística num nicho ainda hoje dominado pelo mal tradicionalismo e pela ausência de criatividade interpretativa e de repertório.

Menino-progídio, Gould teve sua carreira catapultada pelas transmissões de rádio e TV de concertos, antes tão freqüentes no mass media. Até aí poderia ser mais um caso de um jovem músico cuja perenidade na vida adulta depende de fatores mais ligados à sorte do que ao talento.

Porém, contando ainda com pouco mais de vinte anos, Gould dá o primeiro dos passos que o destacará dos demais, elegendo como base de seu repertório compositores que, apesar de sua grandeza, passavam longe das estantes dos pianistas da época, tais como Bach, Schoenberg, Berg e Orlando Gibbons (compositor renascentista inglês que Gould praticamente ressuscitou no repertório clássico).

Gould também “aumentou” o repertório pianístico ao incluir em seus recitais e gravações transcrições de peças originalmente escritas para orquestras. Por muitos visto como um mero recurso didático – quando não uma arte menor – Gould mostrou que as transcrições eram na verdade reinvenções das próprias músicas, e reinvenção é a palavra-chava em sua estética musical.

O pianista enquanto (re)compositor

Nenhuma caricatura de Gould estará completa sem se referir ao seu estilo nada ortodoxo de execução musical, principalmente no que se refere às obras de Bach (cujas gravações bateram recordes de vendas).

Mais do que mera heterodoxia da execução musical, em Gould a arte de tocar piano reside numa outra dimensão, na qual a interpretação musical é muito mais do que o ato que reviver acusticamente a música supostamente contida nas pálidas e insuficientes informações de uma partitura. Para Gould a interpretação pianística é, necessariamente, um ato de recriação.

Desta forma, a partitura, antes um documento sagrado, é tomada apenas como base para um processo criativo, que em seu estágio final (isto é, o recital ou a gravação), necessariamente se diferenciará de qualquer idealização acústica que a partitura possa sugerir.

Esta atitude, a essência da arte de Gould, nem de longe gozou de consenso em sua época, e mesmo hoje em dia ela tende ser hostilizada por certas práticas de música historicamente orientadas (apesar de mesmo nelas já ser muito premente a necessidade de uma interpretação mais criativa do que reconstitutiva). É justamente aí onde reside a base da controvérsia em torno da música de Gould, cujos célebres exemplos são as diversas gravações das “Variações Goldberg” de Bach (na época, considerada afetada e maneirista), e do “Concerto No. 1”, de Brahms (cujo o andamento foi considero demasiado lento).

Apesar das controvérsias, Gould gozou de imensa popularidade, ao ponto de uma gravação sua de uma obra de Bach ter sido escolhida como representante da arte e inteligência musical para enviado aos confins do universo na sonda Voyager 1, em 1977.

Mais do que um grande pianista, Gould foi um re-inventor. Mas reinventou não apenas o piano e seu repertório, mas bem como a própria essência da interpretação musical.

Apêndice: Gould, para ver e ouvir

Apesar da efeméride, a indústria fonográfica nacional não preparou nada de especial para celebrar ou os 75 anos de nascimento ou os 25 anos de morte de Gould. Entretanto, há ótimas opções que podem ser garimpadas no mercado nacional. Em termos de gravações, apesar de raras, é possível achar nas lojas exemplares da coleção que a Sony Music lançou sobre o pianista durante a década de 1990. Nas estantes das livrarias há, em português, sua biografia escrita por Otto Friedrich (Record, R$ 66). Porém, vale a pena insistir nos DVD, nos quais as performances de Gould podem ser apreciadas também de forma visual (apesar de todos os títulos serem importados). Na falta de dinheiro, uma busca rápida no YouTube proporcionará momentos deliciosos. Ainda em DVD, vale a pena conferir a ficção-documentário “Trinta e Dois curtas para Glenn Gould”, dirigida em 1993 por François Girard.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]

14 setembro 2007

Adio, Pava!

Ícone da música universal do século XX, Luciano Pavarotti morre aos 71 anos.

“Penso che una vita per la musica sia una vita spesa bene ed è a questo che mi sono dedicato” (Penso que uma vida dedicada à música seja uma vida bem vivida, e foi para isto que dediquei a minha). A frase acima, atribuída a Luciano Pavarotti, tem acompanhado os mais diferentes obituários e homenagens dedicadas ao tenor italiano, que na semana passada, 6 de setembro, faleceu ao 71 anos, em decorrência das complicações de um tumor no pâncreas.

A frase de efeito não é um mero slogan: na condição de músico de primeira grandeza, dizer que Pavarotti dedicou sua à música não é figura retórica, mas sim um fato. Nascido em 1935 na cidade italiana de Modena, Pavarotti cresceu em meio a uma família muito pobre: sua mãe era operária em uma fábrica de charutos, e seu pai, cantor amador, ganhava a vida como padeiro.

Apesar da humilde condição de sua família, Luciano teve seu primeiro contato com a música por meio dos discos que registraram os grandes e populares cantores da primeira metade do século passado: Enrico Caruso, Tito Schipa, Giovanni Martinelli e Beniamino Gigli estavam entre as vozes que cotidianamente enchiam a modesta residência dos Pavarotti de música.

É tendo em mente este cotidiano nada glamouroso que a palavra “dedicação” ganha uma dimensão muito maior. Durante sua adolescência do cantor a Europa vivia sob um permanente estado de penúria que assolava o velho mundo após a II Guerra Mundial. Tal situação fazia da carreira artística uma opção das mais desaconselháveis para um filho de proletários. Por muito pouco Pavarotti não se dedicou profissionalmente ao futebol (obviamente, antes dele adquirir alguns quilinhos extras) ou mesmo ao ensino, mesmo após ele ter sido por dois anos professor de uma escola primária. A dedicação mostrou-se fundamental na medida em que o cantor teve que ir contra os anseios paternos e ainda assim trilhar uma educação musical praticamente sem recursos.

Formalmente, Pavarotti iniciou seus estudos de canto aos 19 anos, com o tenor Arrigo Pola que, ciente das dificuldades financeiras do promissor aluno, não lhe cobrou as aulas dadas. Porém, foi apenas em 1955 que Pavarotti optou de forma irremediável pela carreira musical, após o Choral Rossini, do qual ele e seu pai eram integrantes, ter ganhado o festival International Eisteddfod, no país de Gales. Seis anos depois, Luciano estreava na ópera no papel de Rodolfo de “La Bohème”, de Giacomo Puccini, no teatro municipal da pequena cidade de Reggio Emilia. Foram os primeiros passos para uma carreira musical sem precedentes.

Muito mais que um tenor

Ao longo de sua carreira, Pavarotti interpretou todos os papéis óperas apropriados para seu timbre e constituição vocal, marcada por uma grande potência e, fator de relevância, um timbre belo e singular, fator que tornou sua voz única e imediatamente reconhecível. Entre os anos 60 e 80 o cantor esteve presente nos principais palcos de ópera do mundo ao lado dos principais cantores, regentes e orquestra de sua contemporaneidade.

Porém, em meio a uma trajetória já excepcional, Pavarotti empreende ações então pouco comuns em cantores de sua envergadura, bem como no universo clássico como todo. A primeira das mais significativas ocorreu no início da década de 80, quando ele lança o “Pavarotti International Voice Competition”, um concurso voltado para a revelação de jovens talentos, cujos vencedores contracenariam com o Pavarotti em pessoa.

O barítono brasileiro Carmo Barbosa foi um dos vencedores da primeira edição, e relata a nobreza de caráter do cantor. “Pavarotti foi um grande incentivador do canto e dos cantores. Tinha um grande interesse pela técnica vocal sem nunca perder de vista a questão musical”, diz o Barbosa, que faz questão de testemunhar o quanto Pavarotti era acessível e atencioso para aqueles que realmente se preocupavam com a música.

Mas foi em 1990 que Pavarotti, associado aos seus colegas Plácido Domingo e José Carreras e ao regente Zubin Metha, fez história com o espetáculo “Os Três Tenores”. No princípio idealizado como parte integrante das festividades da Copa do Mundo, na Itália, posteriormente o projeto ganhou vida própria. Marco na indústria fonográfica mundial, o projeto catapultou o canto lírico italiano à condição de popular.

Dos três tenores, Pavarotti foi certamente o que melhor soube explorar as possibilidades abertas com o conceito de “ópera popular” simbolizado pelo projeto. A partir de então se apresentou ao lado de diversos músicos populares em parcerias que procurava minimizar o caráter elitista associado à ópera (Roberto Carlos, Queen, U2, Céline Dion e James Brown são algumas das ecléticas parcerias que o tenor empreendeu em sua carreira).

Foi com este mesmo ímpeto que Pavarotti apresentou-se solo ao redor do mundo para estádios lotados por uma heterogênea platéia que desembolsava quantias nada irrelevantes para ouvir pela sua voz o repertório que parecia ter sido criada especialmente para ela, isto é, canções e árias de óperas italianas compostas entre a virada dos séculos XIX e XX. Divulgação ou usura? Não importa, pois o importante é que Pavarotti foi peça-central na difusão do repertório lírico para além dos batentes das casas de óperas.

Com sua morte, a voz de Luciano Pavarotti silencia, mas tal qual a luz de uma estrela, que mesmo após sua extinção continua a se propagar e a iluminar o espaço, assim ocorrerá com sua música, que reverberará por muito tempo no imaginário musical das gerações presentes e futuras.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]

31 agosto 2007

O perpétuo retorno da eterna diva

Trinta anos após sua morte, a cantora lírica Maria Callas continua sendo uma das celebridades mais cultuadas do universo clássico.

Em diversos idiomas, a palavra “diva” está diretamente ligada à noção de divino, significando literalmente “deusa”, e no sentido figurado uma mulher que é tomada como musa inspiradora (sendo a palavra “musa” também com significados divinos estreitamente ligados à música). Etimologias à parte, o termo por fim se fixa como um substantivo – nem sempre de forma elogiosa, é verdade – que se refere às cantoras líricas especiais. Especiais por possuírem uma voz, por sua presença hipnótica quando no palco, mas muitas vezes, também por seu comportamento genioso e irascível.

Entretanto, este estereótipo ainda tão voga tem seu entendimento moderno na figura desta que é considerada a grande diva do século XX: Maria Callas, que mesmo após trinta anos de sua morte, continua a ser uma das personalidades mais cultuadas do universo clássico.

Independentemente de predileções e gostos pessoais, não há como negar a existência de um verdadeiro culto à figura de Callas. Trata-se de um culto em cujo altar são adorados um sem número de gravações, fotos em trajes de gala ou das heroínas que representou ao longo de sua carreira. Como em toda religião, há leituras e releituras (biografias, cartas, críticas e relatos) constantes realizadas sobre a diva. Algumas são alegremente festejadas por seus seguidores, outras – por sua iconoclastia – proscritas do códice de Callas.

Produto de uma era em que os meios de comunicação de massa já despontavam com sua vocação globalizante, quando no ápice de sua carreira Maria Callas automaticamente tornou-se uma celebridade de repercussão mundial. Se atualmente ela não está entre nós, sua fama, entretanto, é mantida por meio de uma infinidade de produtos de audiovisuais que passam ao largo da crise que há tanto tempo assola o mercado fonográfico clássico. O mito que se construiu em torno da imagem de Callas garante a sua imagem a perenidade que só os grandes detém ao transcorrer da história.

Mas, por detrás do mito, quem, afinal, foi Maria Callas?

A gênese de uma musa grega

Comparar a pessoa de Callas com a de uma personagem mitológico grego é algo que não se deve exclusivamente a sua ascendência. Tal como uma deusa antiga, sua história de vida é intensa, onde grandes feitos contrastam violentamente humilhações e tristezas.

Batizada como Maria Anna Sophie Cecília Kalogeropoulos, Callas nasceu em Nova York em 2 de dezembro de 1923, em meio a uma família de imigrantes gregos. Aos seis anos, quando seu pai estabeleceu-se como farmacêutico no quarteirão grego de Manhattan, teve seu sobrenome Kalogeropoulos substituído por Callas, de mais fácil pronúncia aos cidadãos da cosmopolita Nova York.

Apesar de seu início de vida nos EUA, onde inclusive começou a estudar piano, aos 14 anos Callas, sua irmã e mãe retornaram à Grécia, onde em 1938 ingressou no Conservatório Nacional de Atenas. Lá passaria a ter aulas de canto com Elvira de Hidalgo, a quem é atribuído o mérito de seu real treinamento vocal.

Apesar do relativo sucesso que Callas conheceu na terra natal de sua família, em 1944 ela decide voltar para os EUA (que na época já contava com importantes casas de ópera, como a de Chicago e o Metropolitan de Nova York), onde se envolve em produções malfadadas. Apenas em 1947 as coisas começam a mudar em sua vida, quando foi então convidada para protagonizar a ópera “La Gioconda”, de Ponchielli, no festival de ópera da lendária arena de Verona.

Entretanto, apenas em 1949, ano em que se casa com o industrial italiano Giovanni Battista Meneghini (que se tornaria seu empresário artístico e grande responsável pela projeção de sua imagem) e quando Callas substitui a soprano Margherita Carosio no papel de Elvira em “I Puritani” no teatro La Fenice, em Veneza, é que parece ter iniciado a história da diva que iria mudar a cena lírica, marcada por sua íntima relação com o repertório do bel canto.

Entre o mito e a realidade

Várias questões intrigantes surgem quando se toma Callas como tema de reflexão. Mas talvez a pergunta mais fundamental seja por que, afinal, Maria Callas tornou-se “a Callas” em uma época onde existiam vozes tão belas quanto a sua?

Segundo o pesquisador da ópera e professor da USP Sergio Casoy, autor de diversos livros sobre história da ópera, o diferencial de Callas foi que a partir dela “a beleza do canto feminino, embora não tivesse sido relegada, deixou de ser fundamental, e teve de dividir sua importância com a interpretação com a materialização do papel”.

O divisor de águas que Callas representa na história do canto e da ópera é que, a partir dela, o trabalho de interpretação dramática passou a ser tão importante quanto a música em si, e isto em uma época na qual a verossimilhança nas encenações operísticas era praticamente inexistente.

O talento dramático de Callas era indissociável de seu talento musical, e Callas teve a felicidade de trabalhar esta faceta com grandes encenadores e diretores de cinema como Franco Zefirelli, Luchino Visconti e Píer Paolo Pasolini: cultuar Callas não é apenas escutá-la, mas, acima de tudo, compreender a persona que ela imprimia a cada personagem, que por sua vez é refletida em sua forma de cantar.

“Detestei Callas na primeira vez que a ouvi” diz o crítico musical e historiador da ópera Lauro Machado Coelho ao se referir à gravação de 1954 da “Norma” de Bellini. “Achei sua voz esquisita, feia e desigual. Fui à loja e troquei por outra coisa. Mas nos dias que se seguiram, fui tomado por uma sensação muito esquisita: a vontade de ouvir aquela gravação de novo. Paguei o mico de voltar à loja e recomprar o disco. E aí, caiu a ficha: aquela ‘vozinha’ mofina tinha a capacidade de ganhar vida diante de seus olhos, com uma extraordinária força de persuasão”.

Entretanto, a atenção que Callas direcionou para o aspecto dramatúrgico significava uma compensação pela parte vocal, reconhecidamente uma das mais belas do século XX.

Mesmo com tanto talento, com o passar da carreira a diva conheceu um desgaste vocal que muitos atribuíram ao fato dela cantar personagens muito diferentes entre si. Apesar disto, Casoy explica que “Callas jamais cantou algo que fosse inapropriado, pois sem dúvida ela era uma soprano sfogato”, isto é, um tipo de voz com uma flexibilidade que lhe permitia cantar tanto personagens cuja música tende ao agudo como ao grave. “Sua voz se danificou por excesso de trabalho no início da carreira e por excesso de farra em seu final”, conclui.

Aliás, farras, desentendimentos e conturbações conjugais são alguns dos outros elementos que concretizaram a imagem da diva. Já exposta uma mídia extremamente invasiva, a vida de Callas foi presença constante no colunismo social da época, que se esbaldou quando em 1959 ela desmanchou seu casamento com Meneghini para viver um romance que jamais se concretizou em matrimônio com o milionário grego Aristóteles Onassis, e a preteriu em favor de Jacqueline Kennedy, então viúva do presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy.

Somando-se a tudo isto, muito do sentido pejorativo do termo diva em Callas surgiu do fato da cantora não raro cancelar de última hora suas apresentações, seja alegando motivo de saúde ou porque não simplesmente não se achava em condições de fazer tudo o que podia fazer. Ao longo de sua carreira a diva deixou a ver navios diversas autoridades confortavelmente instaladas em seus camarotes, fato que só alimentava a virulência da imprensa.

Na dimensão mítica à qual Callas foi lançada é sempre nebuloso o discernimento entre a verdade e a mentira. Mas suprimindo tudo o que é musical do que é mundano, nos deparamos com uma Callas extremamente trabalhadora, e acima de tudo “uma grande artista, no sentido mais amplo da palavra, de alguém que pensa sua arte”, como defende Machado Coelho.

Ainda que Callas, em 16 de setembro de 1977, tenha encontrado o fim de seus dias depressivamente confinada num apartamento em Paris, a imagem que resiste é a grande cantora que literalmente dava vida à suas personagens e óperas, que não fosse por ela provavelmente estariam excluídas do firmamento operístico, onde a grande diva sempre viverá.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]

27 agosto 2007

Sazonalidade da(s) profissão(ões)

Após um mês de estiagem, ao menos uma "agüinha" para regar o blog

Há exatamente um mês publiquei meu último post no blog. Não que tenha faltado assunto e vontade, mas faltou sim tempo (logo isto, a matéria-prima do músico).

Mas trata-se de algo que o músico deve se acostumar, pois ser músico (ao menos aqui nestes trópicos) não é ter apenas um emprego, mas sim fazer de tudo um pouco: aulas (muitas), estudos, entrevistas, escritos, composições, etc. Trata-se da sazonalidade da profissão, ou melhor, das profissões, em um bom plural.

Há épocas nas quais há relativamente pouco o que fazer (por exemplo, durante as férias escolares). É quando temos que aproveitar para fazer tudo o que não faremos quando temos que "bater o cartão": tocar muito o nosso instrumento, compor (para quem se arrisca), ler sobre o Tudo e o Nada, enfim, internalizar a existência e o pensamento verdadeiramente artístico. No fundo a sina de sommerkomponist que perseguiu Mahler ao longo de sua vida parece que não sairá de moda tão cedo...

Mas há épocas em que literalmente tudo nos é requisitado ao mesmo tempo, e em meus últimos anos o mês de agosto tem sido assim: intenso e atarefado. Mas aos poucos a folia passa e é possível equilibrar melhor as coisas. O importante é não deixar aquela ou outra faceta das muitas atividades do músico morrer de sede ou de inanição. Por isto este post totalmente dispensável.

Ok, dispensável não. Aproveito para então divulgar os mais recentes frutos de meu eterno processo de sazonalização (que também singnifica "amadurecer"): três concertos nos quais serão apresentados as mais recentes peças que compus. Tendo um tempinho (e bem sei que ele falta a todos), ficarei muito feliz com sua presença! Abacadabraço para você!

> 31 de agosto, sexta-feira, 12:30, Sala Olido (São Paulo)
Meu octeto de madeiras "Junitaki", baseada em uma passagem do livro "Caçando Carneiros", de Haruki Murakami, será tocada pela Camerata da Orquestra Experimental de Repertório. Grátis!

> 10 de setembro, segunda-feira, 21h, Teatro Sesc Anchieta-Consolação (São Paulo)
Minha peça "Ayahuasca", para orquestra de cordas, será tocada Ensemble Música Nova, regido por Emiliano Patarra dentro das atividades do 42o. Festival Música Nova.

> 11 de setembro, terça-feira, 20:30, Teatro Coliseu (Santos)
Repetição do concerto do dia anterior.

28 julho 2007

As mulheres de Campos

Com a ópera “Rita”, festival chega a um de seus pontos culminantes.

Todo mês de julho a cidade paulista de Campos do Jordão torna-se uma espécie de epicentro social brasileiro, um ponto para onde converge uma fauna heterogênea, e muitas vezes, antagônica em si mesma. Por conseqüência Campos, à sua maneira, torna-se um lugar de contrastes. Somente em Campos os ônibus de lotação enfrentam um congestionamento ao lado de uma Ferrari. Somente em Campos a música clássica combate literalmente em praça pública contra o som “bate-estacas” dos carros que passam na rua ao lado. Somente em Campos madames bem vestidas travam verdadeiras disputas por brindes e outros bibelôs baratos distribuídos como amostra grátis. Somente em Campos pode existir um evento como um excelente festival de música que, justamente no ano em que homenageia as mulheres, tem que conviver com uma caminhonete publicitária que traz uma vitrine ostentando em seu interior mulheres semi-nuas, exibindo-as tais como escravas num pelourinho, anunciando sabe-se lá o quê. Num lugar onde o medíocre e o sublime se esbarram, o Festival Internacional de Inverno encerra este fim-de-semana sua trigésima oitava edição, mantendo a excelência artística de suas apresentações e de seu projeto educacional.

Dentre as inúmeras atrações previstas para esta edição a apresentação semana passada da ópera “Rita”, de Gaetano Donizetti (1797-1848) é a que possivelmente melhor sintetize os ideais desta homenagem ao verdadeiro sexo forte. Isto se deve não apenas pela personagem protagonista ser mulher, nem por na produção do festival estar envolvido mulheres em funções-chave normalmente desempenhadas por homens, tais como a direção de cena e a regência. Antes de tudo, a própria temática da ópera mostra-se providencial: uma mulher, Rita, que tem o hábito de bater em seu marido, Beppe, menos por conta de uma personalidade geniosa ou de um feminismo avant la lettre, mas sim como ressonância das pancadas pretéritas tomadas de seu (dado por) falecido marido, Gaspar. Com um enredo desenvolvido em forma de “comédia dos erros”, o libreto de Gustave Vaëz garante uma história divertida ao mesmo tempo em que aborda por meio da comédia pontos importantes sobre a questão da mulher na sociedade (ainda mais tendo em vista que a ópera foi composta há mais de um século e meio).

As personagens e situações previstas na obra de Donizetti mostraram-se o lugar ideal para sua plena assimilação por parte do elenco vocal escalado para este espetáculo. No papel-título, a soprano Rosana Lamosa mostra porque é um nome forte e muito requisitado produções Brasil afora, desempenhando com sua habitual competência as árias e duetos previstos nesta partitura de escritura leve e de fácil assimilação. Recém chegado de importantes apresentações na Europa, o tenor Fernando Portari, no papel do marido mal-tratado, foi o quem se mostrou mais a vontade com um personagem cômico, contagiando por diversas a numerosa audiência que acompanhou as duas récitas da ópera (uma no Auditório Cláudio Santoro e outra, desafio maior, ao ar livre, na Praça do Capivari). Já o barítono Paulo Szot, a cargo do “vilão” Gaspar, por sua vez mostra porque tem sido cada vez mais requisitado no exterior, com seu pleno domínio e beleza vocal que faz com que a gente até se lamente de Donizetti não ter escrito mais uma ou duas árias para este personagem.

Apesar desta partitura de Donizetti estar longe de ser um desafio em termos de regência operística, é impossível não notar o cuidadoso trabalho realizado pela regente Debora Waldman (leia entrevista abaixo). Detentora de gestos claros e precisos, Waldman garantiu a vitalidade e energia que as situações musicais desta ópera demandam, garantindo a integração entre a Orquestra Acadêmica e os cantores, mesmo contando com pouquíssimos ensaios.

Apesar da competência musical e cênica dos cantores, eles poderiam ter sido melhor explorados por Carla Camurati, que assinou a direção cênica do espetáculo. Mesmo tendo em conta o exíguo tempo que a produção teve para preparar o espetáculo, fica-se com a impressão que a movimentação dos cantores e sua interação com os cenários e objetos cênicos poderia ter sido muito melhor. Nestes termos, ficou muito a dever o parco cenário desenvolvido por Cica Modesto, que abusou da estaticidade numa ópera que se desenvolve em ritmo quase frenético. Ainda que se alegue que tanto o auditório como o palco montado na praça não possuam as condições técnicas ideais, tal argumento cai por terra quando se toma o engenhoso trabalho cênico desenvolvido sob as mesmas condições na ópera no festival do ano passado. Na récita do auditório o trabalho de iluminação foi tão pobre que ninguém sequer revindicou por ele na ficha técnica do espetáculo.

Mas, de novo, estamos em Campos do Jordão, e desta terra antagonismos sai-se com aquilo que nos causa a melhor impressão, e não há dúvida de que a música em si bastou-se para fazer de “Rita” um espetáculo muito mais que agradável.

Foto: Paulo Szot, Fernando Portari e Rosana Lamosa na montagem de "Rita", por Rachel Guedes.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]

Entrevista: Debora Waldman

Figura elegante e muito delicada no trato pessoal a regente Debora Waldman foi uma das gratas revelações que o Festival de Campos proporcionou nesta edição ao seu público e músicos. Nascida em São Paulo, no bairro do Belenzinho – que décadas atrás abrigava em suas ruas famílias de diferentes países e culturas – muito cedo ela acompanhou a família para um kibutz em Israel, onde morou até completar 14 anos. Em seguida voltou à América do Sul, realizando em Buenos Aires uma sólida formação musical que aos 23 anos fez com que Waldman se mudasse definitivamente para Paris. Apaixonada confessa pela cidade-luz, com apenas trinta anos é a atual assistente de Kurt Masur junto a Orquestra Nacional da França. Foi durante o dia de descanso entre as récitas da ópera “Rita” que Waldman concedeu a seguinte entrevista ao Fim-de-semana.

Como é exercer uma atividade dominada por figuras masculinas tal como é o caso da regência?

Felizmente nunca tive problemas. Apenas uma vez, numa audição para regentes, ouvi um músico cochichar “achei que era uma audição”, insinuando que o lugar de uma mulher detrás das estantes da orquestra. Isto ocorre porque a música clássica tem um ambiente muito conservador, onde há poucos anos não havia muitas mulheres atuando como regentes. Acho que minha geração é que vai abrir estas portas.

Existe para você alguma diferença entre a maneira como a mulher conduz o trabalho frente à orquestra?

Acho que a mulher tem que ser muito mais cuidadosa, tem que ser muito melhor, pela simples razão de que qualquer erro tem uma dimensão muito maior caso ele tivesse cometido por um homem. Mas a vantagem é que, se a regente for boa, todos lembrarão dela, devido ao fato de serem poucas as mulheres que conduzem orquestras.

Em termos musicais, como fica este trabalho?

No trato musical a coisa é mais simples e fácil, pois quando fazemos música falamos em uma só linguagem, onde todos os músicos se entendem. Acho que é isto que pode salvar a gente, mulheres, pois nós estabelecemos rapidamente com os músicos uma comunicação muito sincera.

O bom trabalho para um regente depende diretamente da autoridade que ele tem junto ao grupo que irá reger. Como é para uma mulher estabelecer este elo de respeito com os músicos?

Creio que a autoridade tenha que ser uma coisa natural da pessoa. Mas o importante é que autoridade é algo que se ganha. De que forma? Sendo competente. Os músicos percebem quando você faz bem o seu trabalho, eles percebem se você é honesto, se você estudou a partitura, se você sabe do que está falando. É uma autoridade musical que todo músico gosta de ver em um regente, seja ele homem ou mulher.

[Este texto é a versão do autor para o artigo semelhante publicado originalmente na Gazeta Mercantil. Versão sem cortes, sem edição e sem revisão!!!]